RETINAS DO REVERSO GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA @@@@
No beco
A enxurrada escorre
Estiou,
Fora chuva de meia hora,
Chuva forte.
Olho de viés,
Nas retinas do reverso,
Lembranças líquidas de sentimentos,
Liquefeitas de sensações,
De desejos do ser do tempo.
Nos linces do inverso
Retalhos de pensamentos dúbios:
Amor que se sente calado,
Silêncio que ama sentir quimeras vazias
Do sonho amar, do verbo amor.
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Desejo neste instante dúbio
Não procurar conforto, explicação
Para o que me perpassa a alma, o espírito,
De sensações, calafrios, tremores,
As saudades que sinto de outrora,
Outrora de venturas vazias de sonhos,
Outrora de perdições ilusórias do ser-amor.
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Pessoas passam em passos largos
À porta do Bar X4 de sempre,
Fregueses de sempre,
Os mesmos copos,
À mesma hora, onze e meia da manhã,
Bebem, contam causos, piadas,
Falam de suas gotas, de suas tosses contínuas,
Embriagam-se, vão embora cambaleando,
Deitam e dormem a tarde inteira.
A indiferença com que isto observo
É ininteligível,
A própria indiferença se indigna comigo,
Limito-me a tomar meu whisky
On the rocks lentamente.
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Na mesa, está faltando ele:
Está faltando o ser do não-ser,
O não-ser do ser, ausenter.
Na ausência do inter-dito
Do amor que se sente calado,
Jamais haverá palavra que o diga,
Haverá gesto, atitude que o realize
É amor no ser calado de si,
O dito de viés,
De chuva e saudades,
De enxurrada e solidão
O vazio,
O vácuo
Do tempo,
No tempo que ser que almejávamos
O silêncio que amasse sentir
A amplitude do espírito da felicidade,
No tempo-ser palavras que definissem
O ser do amor,
Que explicassem o simples das faltas de ser,
Que revelassem os lapsos de memória
De quando o amor se sentiu calado,
Que mostrassem os atos falhos
De se esquecer no esquecimento que se esquece
De se lembrar na lembrança que se lembra.
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Pensando nele,
Sentindo a proximidade de sua presença calada,
Habitando-lhe todos os desejos e vontades,
Toques, gestos, amplexos, ósculos,
Escrevo-lhe versos
Nos re-versos de pingos de chuva,
De lagrimas que descem a face,
Lentas, sentidas, saudosas.
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Neste mundo de significados
“Tão distantes de seus referentes”,
Não sei o que digo,
A língua desconhece as palavras que emite,
A ausência de sua fala não me deixa concentrar,
O espírito vagueia por campos distantes,
Pela eternidade,
Desejando re-colher, a-colher o ser da palavra
Que pronuncia o silêncio do amor,
A palavra não tem ser.
Os olhos esbugalhados como quem
Nasceu espantado com as dialécticas da existência,
Com os atos falhos dos desejos latentes e manifestos,
Observam uma barata sendo levada pela enxurrada.
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A mão, de aparência firme,
Na folha de papel inscreve letras,
Versos, estrofes, dizendo-lhe de sua
Ausência
“... na tópica
Do simbólico, do imaginário, do onírico
Do fantástico, do fantasmagórico espelheados
À mercê da báscula do desejo
Estrangulado entre a necessidade e a exigência.”
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Nesta mesa está faltando o amor,
As quimeras vazias que sentem o silêncio que ama,
Está faltando a sua voz,
Estão faltando as palavras
Que poderiam ser versos
Profundos do ser na eternidade do tempo,
Do tempo na eternidade do ser,
Da eternidade o tempo-ser,
O sentir-se calado sendo a voz do silêncio,
O silenciar-se dos sons do sentimento
Sendo a música dos desejos latentes.
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Levanto os olhos da folha de papel
- deixo as palavras em suspenso,
o verso a ser terminado,
a palavra que está faltando a última sílaba;
deixo o sentimento calado do amor,
não há voz que o expresse,
não há ser que o realize.
Insisto, persisto na busca, sem trégua,
De ouvir-lhe a voz,
Contemplar sua sabedoria,
Inteligência,
Nas palavras ditas e expressas
De seus sentimentos simples, puros.
Nestas palavras está faltando
A sensibilidade de sua ausência,
Faltam sons e melodias de seu espírito,
A saudade de sua proximidade é imensa.
Seria um recurso perguntar-lhe:
“Oh, amor, onde você está?”
Não irá responder: falta-lhe a palavra.
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Construí castelos de sonhos de encontro
Como as pessoas sempre fazem
Quando se encontram distantes do ente querido,
E não sabia isto não ser possível,
É amor que se sente calado,
É sentimento calado que se sente amor.
Não sou quem lhe possa dar voz,
Retirar-lhe do silêncio,
Realizá-lo em mim,
Em mim, a imagem da solidão,
Em mim, o ser-só.
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Sozinho, escrevo-lhe este poema,
Esperando dizer-lhe o que é isto
De sentir-se calado.
Só na ausência de sua voz
Sabe-se amor,
Só na falha de seu ser
Sente o sentimento calado,
Esperando dizer-lhe de meus sentimentos,
Emoções, sensações por sua ausência,
Sabendo jamais irá ser presente em mim,
São unicamente palavras perdidas
Na folha de papel,
Sua ausência não me deixa mergulhar fundo
No tempo-ser das palavras
Nos ditos e inter-ditos de uma falta
Que falha na ausência da presença,
De uma falta e ausência latentes...
RIO DE JANEIRO(RJ), 22 DE FEVEREIRO DE 2021, 10:12 a.m.
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