**GRITO ANTIGO" - TÍTULO DE UMA ANTOLOGIA DE POEMAS, DE Paulo Ursine Krettli, PUBLICADA EM 1989** - PINTURA: Graça Fontis/TEXTO: Manoel Ferreira Neto
A luz inflama os vitrais coloridos onde os apóstolos e os santos
ostentavam sua glória.
Os grandes silêncios do campo, os verões crivados de uma luz esmagadora,
as tardes brumosas enchem-me de uma perigosa volúpia. O olhar perde-se no céu e
na neblina à procura de alguma coisa que não posso encontrar, perscruto com
insistência as profundezas azuis para nelas descobrir uma imagem querida, a
quem talvez, por um privilégio especial, ser-me-ia permitido manifestar-me uma
vez mais.
A ternura do jovem sonhador, desviando-se para novos objetos de desejo,
permanecia fiel a seu caráter primitivo. Ama ainda, o “passeio em busca do
amor”, sob formas mais ou menos perfeitas, a fraqueza, a inocência e a candura.
Não são, todavia, caminhos alegres e felizes, às vezes muitos caminhos amargos,
dolorosos. Como este jovem diz com o olhar brilhando: "As estradas me
fazem bem. As suas curvas é que cansam". Assim o creio, diante de
experiências e leituras de poetas como você, que ora nos dá a graça de “GRITO
ANTIGO”, antologia de poemas. Talvez os seus caminhos não tenham sido assim
dolorosos, desfrutou de felizes momentos a cada passo dado, a cada conquista, a
cada amor vivido. Mas, ao que me diz, você busca a paz dos momentos, procura os
sonhos, procura vidas, como sabe seus tormentos são espaços, são feridas. Entre
as marcas e as características principais que o destino lhe imprimira, este
conto a que me refiro, A ILHA, incluso em nossa antologia, mostra bem que é
preciso assinalar também uma excessiva delicadeza de consciência que, ao lado
de sua sensibilidade, serve para aumentar desmesuradamente as ilusões e esperanças
e para tirar das faltas mais leves, imaginárias até, conhecimento felizmente
muito real.
Imagine uma criança com esta natureza voltada para as ilusões e
esperanças, privada de sua primeira e maior afeição, amante da solidão e da
saudade e sem confidentes, um criança à beira do rio assistindo a passagem das
águas. Chegado a este ponto, o ouvinte compreenderá perfeitamente que diversos
fenômenos desenvolvidos no teatro dos sonhos devem ter sido a repetição dos
percalços de seus primeiros anos. Não quero incinerar, como se tem costume de
brincar com a palavra insinuar, tenha sido você privado de seu encontro com o
amor mais puro e angelical na adolescência, início da juventude, coisas de
poetas, aliás não consegui entrever isto nos seus poemas, mas analisei sobre um
outro prisma de visão, um novo ponto de vista. As coisas da infância, para
servir-me de uma metáfora que pertence a mim, tornaram-se o húmus desta sua
procura de conhecer a saudade tão bem que a possa transformar numa presença
amiga e acolhedora. O destino lançara a semente. Esta faculdade prematura, que
lhe permitia idealizar todas as coisas e lhes dar um toque poético, cultivado,
exercido longamente na solidão e no silêncio, ativada além de todos os limites,
num abraço à liberdade.
Amigo, não sei se é já de sua experiência pessoal e íntima, mas os
espíritos nascidos para as artes, delicados e afetuosos, o que o seu leitor
terá certamente observado, aprendem nas longas jornadas de desejos de encontros
a pedir passagem para o amor e continuam a viagem noite adentro. Aprendem nas
noites de angústias ainda mais longas, a amar e a lastimar a condição humana de
seus semelhantes. O antigo conhecedor da alma humana, assim me vejo hoje, e
isto ficou bem nítido para mim a partir da leitura de sua obra, precisava
concentrar-me bem em sua mensagem, a fim de poder recebe-lo em minha humilde
choupana, para um dedo de prosa sobre a existência humana, e que os nossos
ouvintes com certeza terão muito o que desaprender, quer rever a vida dos
humildes, quer mergulhar no seio dessa multidão de deserdados, e, da mesma
forma como o nadador abraça o mar e entra assim em contato mais direto com a
natureza, aspiro tomar, por assim dizer, um banho de multidão.
Uma fogueira brilha na lareira; sobre a bandeja descansam dois copos de
drinks, pois não poderíamos nos furtar a um drink, em verdade uma vodka, é
inverno, lá fora os homens todos disputam entre si a propriedade de suas
orelhas. Você ri, com efeito, com esta minha tentativa de descrever as belezas
de minha choupana, tornou-se muito querida, escritor, pois aqui recebo a todos
com a mesma gentileza e carinho. Paisagem de montanhas, retiro silencioso,
luxuoso, ou melhor, bem-estar sólido, vasto lazer para a meditação, inverno
rigoroso, próprio à concentração do espírito, sim, é isto a saudade que todos
sentimos, desejamos encontrar, afagar em nossos braços, um cafuné na cabeça, ou
talvez até antes os primeiros raios de felicidade, uma pausa no destino, um
jubileu no sofrimento, mas sem dúvida um tentáculo de ilusões e esperanças
Incrível, escritor, como você tem o dom de comunicar com o espírito
humano este sonho de felicidade, de prazer. Você aflorou em mim uma época onde
“é preciso dizer adeus à doce beatitude, adeus ao inverno como ao verão, adeus
aos sorrisos e aos risos, adeus às consolações benditas do sono!” . Como dizia
Shelley, “como se um grande pintor molhasse/seu pincel na obscuridade do
terremoto e do eclipse”
Há um interdito muito interessante em sua obra, A ILHA, que faço questão
absoluta de sublinhar para não me esquecer de referir-me a ele: “A busca da
Sabedoria”. O céu parece mais elevado, mas longínquo, mais infinito. As nuvens,
pelas quais os olhos apreciam a distância do pavilhão celeste, são nessa nossa
época mais volumosas, e acumuladas em massas mais vastas e mais sólidas, a luz
e os espetáculos do pôr-do-sol estão mais de acordo com o caráter do infinito.
Poderíamos, você e eu, ficar a noite inteira conversando, tomando a
nossa vodka, ao calor agradável da lareira. Não ficaríamos um segundo sequer em
silêncio, pois a sua obra sempre surpreende muito, uma nova imagem, uma nova
mensagem se revelam e aí podemos assim ilustrar mais o seu pensamento. É sempre
uma alegria enorme receber visita destes grandes e ilustres desconhecidos,
falando de suas experiências, de suas caminhadas. Escritor, sua obra abre
sempre as janelas e portas todas para um novo ponto de vista, e isto é muito
difícil, quando a propriedade das orelhas é de quem está disputando o objeto do
prazer próprio, e não daquele que está desejando ouvir as palavras.
Agora terminando nosso colóquio, você sabe que o tempo é escasso, os
encontros entre nós tem sido rápidos, quando passo por Belo Horizonte em
direção a São Paulo, têm um tempo de trinta minutos a uma hora, gostaria que me
respondesse algo muito peculiar: “Você não é o primeiro em Pitibiriba que fala
em GRITO ANTIGO. O que há nesta querida terra pitibiribense que suscite tanto o
tema de GRITO ANTIGO?”
Adeus, Amigo... Não sei quando nos reencontraremos. Um dia... Quem sabe?
BH, 15/10/1996
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