#AFORISMO 920/ ECOS DE VOZES INCÓGNITAS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



Letras de solidão e sombras.
Solidão de desejos, vontades e utopias.
Sombras de sonhos, esperanças e travessias.


Quem sabe devesse tecer considerações que penso e sinto serem primordiais no sentido de tornar lúcido o que dentro trago em mim, o paradoxo, que, por vezes, não encontro modo de definir, as situações indecorosas e inconsequentes em que me envolvo, tendo de calar-me, nada dizendo, deixando-me exposto a todos os ventos e sibilos de entre as serras e montanhas, os indivíduos eloquentes e orgulhosos de suas falácias e verborréias quem me olham de soslaio, sorriso amareliçado nos lábios!...


A vida acontece no quarto. Desenho céus tristes nas paredes frias. E lá fora, inda que seja inverno, juro ouvir chuva. O inverno parece nunca ir embora - noites geladas, manhãs de densa neblina. Falta-me uma estrela que me leve ao coração generoso da vida, onde abraço os dias, em adoração e inocência, além das paredes e das vozes que me querem prisioneiro em cadeias. Jogo ao chão as letras, as rudes muralhas. Apontam-me o verdadeiro céu. As coisas aparecem-me nítidas. Esvai-se a névoa de que me cerco. Não havia diferença entre mim e a linha férrea, entre nós no crepúsculo passava um adolescente conduzindo as ovelhas, salvo a linha ser férrea e eu, alma, o que pode não ter valor algum, ante o que é a essência das coisas. O que sou hoje é terem vendido a casa, é terem morrido todos, estar eu sobrevivente a mim mesmo.


Pare, meu coração! Deixe o pensar na cabeça! Seguro a mão e, com elas, caminho pelo jardim. Sempre, além da aparente chuva, aguarda-me o sol... As flores vestiram de alegrias suas melhores cores. Os soldados pararam de atirar por um instante. O vento esqueceu as folhas. Ouço o ritmar de passos de alguém usando sandálias. O mundo silencioso indaga-se sobre o que me falariam os homens, o que de alguém ouviria...


Há quando penso que questiono a natureza da arte, busco expressá-la de modo exemplar e único, num estilo particular e singular, original, tendo de carregar a tinta no que há de contraditório, sem senso, quem sabe atingindo o efeito pretendido, o que requer submissão às constantes análises sobre a própria produção. Sei bem que toda a obra tem que ser imperfeição, e que a menos segura das contemplações estéticas será a daquilo que escrevemos. Sento-me ao degrau do portão, embebo os olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto líricas em Inglês, para mim só, vagas canções que me fazem gozar o momento. A idéia assume o papel de um motor que faz a arte.


Escrevo de memória - procuro por emoções que provocam não somente sentimentos puros, mas também os que buscam sensação nova, intrigante, dilacerada, ambígua, e, ao mesmo tempo, tênue e terna -, sem documentos, sem material que me ajude a recordar. Escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas. Idéias, imagens passam por mim em cortejos sonoros. Há acontecimentos que estão presentes como se acabassem de acontecer; mas há lacunas e vácuos que só posso preencher com o auxílio de histórias tão estranhas quanto à lembrança que delas me ficou. Por que no transcorrer do dia sou nulo e à noite sou eu? Tudo é alheio ao meu destino próprio, ecos de vozes incógnitas.


E, em me referindo ao ambíguo, não posso deixar de registrar, ainda que pense não devesse estar tecendo tais considerações, para que irão servir, pergunto-me, angustiando-me, pois que não saberia responder por elas. O ambíguo se me apresenta num campo aberto de sentidos, revelando ou sugerindo diversos significados, às vezes até opostos, sem confirmá-los jamais, se o fizesse, creio, perderia a originalidade, pois que intencionam ser imagem do mistério. O solene culto da Humanidade, com seus ritos de Liberdade, Fraternidade, Igualdade, sugeriu-me sempre uma revivescência dos cultos do Tempo de Zagaia, em que os animais eram como deuses, ou os deuses possuíam cabeça de animais. Quem não me entende, não perde por esperar!...


Quem deseja entender-me, deixando de lado a preguiça, as páginas alienantes de tablóides ridículos, demorará um pouco a fazê-lo, pois que isto exige Vida e Experiência. Como o objeto ambíguo aponta aspectos e valores múltiplos, perpetua-se o equívoco, que não se extingue, mesmo quando penso que encontrei o sentido verdadeiro. Através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, tudo é matéria de estranha e estrangeira complexidade.


O que se ergue, desabrocha, floresce e dá frutos, sorrindo ao Sol e ao universo, é a semente que virou árvore. Mas somente pode triunfar porque o húmus, rico e fecundo, lhe deu os nutrientes.
Triunfa a águia porque abre caminho para frente.
Letras de solidão e sombras.
Obra solenemente por ser lida.
Solidão de desejos, vontades e utopias.
Cai leve bruma sem névoa que entra no meu coração.
Sombras de sonhos, esperanças e travessias.


Algo é mexido em profundidade, como se mãos entrassem terra adentro a moverem sentimentos que preferia nas gavetas. O olhar compadecido diante de uma janela, cujo vidro não reflete minha imagem, alguém de pé, empurrando com a mão esquerda a cortina. Assim parado, querendo não estar. Assim em silêncio, querendo ouvir vozes... Com todas as lâmpadas da casa acesas e ainda assim faltando luz.


Se, por ventura, adquirisse consciência de mim próprio, faltaria luz mesmo as lâmpadas acesas? Restaria apenas aspirar ao nada.


O tempo é de salvação. De não estar sozinho. Tempo de sentir o aconchego. De mudar e escutar vozes, capaz de deter o avanço do mal na existência, de interromper os processos de destruição da vida. Ela é uma festa, nela os convidados estão felizes e riem do prazer que sentem, não é para chorar, é para ser feliz, sentir a vocação da felicidade e paz. Haverá alguém que estende sua mão, voz que responderá com carinho, socorrendo nas solidões e carências.


É próprio do espírito sentir e experimentar dentro de si, como ressonância, todos os seres e o Ser. Lamento nada poder dizer de mais rejubilante, porque o amor que age, comparado com o amor contemplativo, é algo de cruel e atemorizante. O amor contemplativo tem sede de realização imediata e atenção geral. Chega-se a ponto de dar sua vida, com a condição de que isso não dure muito tempo, e que tudo se acabe rapidamente, como no picadeiro, sob os olhares e os aplausos. O amor atuante são o trabalho e o domínio de si, e para alguns toda uma ciência.


Até mesmo o deserto adquire um sentido? Sobrecarregá-lo de musicalidade, de ternura. É um lugar consagrado por todas as dores do mundo. Mas o que o coração necessita e reclama, ao invés disso, são justamente lugares destituídos de poesia.
Sou chamado a existir, a participar da vida, muito além dos desencantos, desencontros, levá-la a beber da água da graça. Alimentá-la do seio da paz e permitir nunca dores a coloquem em dúvida. Tendo sido confiada aos homens pelo Senhor, ela bem que requer esmero, apreço, cuidado. O ensejo que deve vestir a vida não pode esquecer que apesar de tantas marcas de espinhos, sua tiara deverá ter sempre as mais belas flores do campo.


Se não erguesse os dedos, fizesse um gesto, estrangularia toda a verdade de existir. Diria: “O jarro quebrado, quadro desbotado, pobre trinco...” Possível fosse uma nota de violão, constituindo qualquer som, não necessariamente música para mostrar o barulho final destas palavras. Creio que seria capaz de revelar o como as coisas tremelam.


Flor de desejos e rosas de sonhos... A casa, pouco recuada, de frente para a rua. A pintura azul está queimada de sol, e a parede, em conseqüência da chuva e sol, bem estragada. Há lugares escavoucados. Entre a grade e casa, jardim, grama. Quase todas as espécies de rosas estão ali plantadas.


(#RIODEJANEIRO#, 30 DE JUNHO DE 2018)


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