#AFORISMO 440/MAGIA DA PALAVRA, ALÉM INTERPRETAÇÃO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Onde estavam os homens que traziam a morte?
Dentro das barcaças, contando mercadorias.
Nas construções, onde trabalhavam dezenas de pessoas.
Nos batuques clandestinos, onde corpos se roçagavam com corpos.
Nos hotéis miseráveis, onde reinava a mais absoluta promiscuidade.
No mato, procurando cortiços de abelhas.
No barranco, misturados aos embarcadiços.
E encerrados, sobretudo no medo. Medo de se denunciarem e serem atirados ao isolamento.
Lugar onde ninguém os poderia encontrar. 

Onde estava a morte que levavam os homens?
Algures e nenhures, perscrutando o deslizar do tempo suave e serenamente.
Alhures e em caverna e montanha alguma, perquirindo a escuridão e o descampado sombrio.
Nas praças públicas e nos lotes vagos, observando os transeuntes no instante de lazer, as plantas daninhas, o capim, os objetos nele espalhados em sua extensão.
Nos hospitais e manicômios, indagando a dor e o sofrimento, os devaneios e os desvarios.
No campo santo, questionando-se, ansiando tres-loucadamente  entender e compreender com lucidez e consciência o porquê de ser o fim da vida.
Nos orfanatos e seminários, de olhos abertos e introspectivos, linceando a fé, a entrega à espiritualidade
Omnisciente. Omnipresente.
 
A noite corria serena. As árvores, impassíveis. Adivinhava-se a presença do Rio das Pulgas. O batuque prosseguia com loucura. Uma só massa a girar em torno ao fogo que morria, um só corpo embriagado uivando com arremessos desordenados.

Onde o sorriso, a alegria, a satisfação da morte por haver o seu instante, instante-limite, instante absurdo, quem o sabe?, sua luz de vida, e com o de-correr do tempo, a sua indagação suprema, por que ser ela quem traz no âmago de todos os medos, hesitações, pavores, tristezas, angústias, tremores e temores? Mistérios, enigmas, mitos, rituais, ritos... E quem morre não retorna para dizer o que existe além, o que é ela? 

Pode ninguém acreditar  as coisas estarem se dando deste modo, neste estilo, pois, de que ponto de vista for interpretado, haver coerência de sentimentos e emoções, a língua é erudita, culta, a linguagem filosófica e poética, se é possível haver alguma neles: quem sabe seja “harmonia”?!..., quiçá a sin-cronia, sin-tonia com as dores mais profundas, as angústias sofridas, da alma, de onde nasce o sabor das vozes que sussurram, murmuram a melodia da verdade das contingências - creio a imagem se atrapalhara no comenos da perspectiva, saindo sem algum tempero, sal, nenhum.

Onde a morte da morte, um tanto estranha esta perquirição, mas mergulhando um pouco mais, ela carrega o dom de ser eterna e ser mistério, não haver a morte da morte e sendo enigma, seria que não tenha em si mesma o dom de desejar a vida, a luz? Como pode ser ela a luz suprema do além, se ela permanece por sempre a treva?

Onde ser plausível de ser sentido que ela está presente numa doença, numa guerra, num assassinato, num suicídio, numa tragédia, na velhice, o que chamam de "morte morrida", dor inconsolável, e ninguém sabe de sua sina, sua saga, seu destino, esta dor imensa, e há até quem tenha a misericórdia de considerá-la insensível, as suas lágrimas ninguém as sente em todos os momentos, não se lhes veem descendo a face.

Ser ela dançarina, ser da mímeses, capaz de modelar-se e trans-formar-se em quaisquer circunstâncias e situações, de modo que podia imitar mesmo a liquidez da água e a rapidez do fogo na agilidade de seu aparecimento, de sua atitude, de seu movimento de levar a vida embora.

 É isto a magia da palavra, deixando-a dizer ao longo da criação, da imaginação, da intuição, da poesia no tato de cada dedo, em especial, aí ninguém sabe qual delineia a linguagem; e saber que se me não fora vocacionado conhecer emoções e sentimentos que percorrem todo o corpo, acreditei nela, sabendo agradecê-la alegrias e satisfações, hoje me orgulhar dizer ir “aquém de qualquer além”, - de qualquer além? Algum além há!... - e com esta resposta deixo as pessoas de tabernas e tabernáculos, bares e botequins, esquinas e portas de igrejas, buscando saber o que desejei dizer com isto. 

Sem sentido. Eu quero ir embora, quero dar o fora, desaparecer, escafeder-me, e quero que ninguém me siga.


(**RIO DE JANEIRO**, 06 DE DEZEMBRO DE 2017)

Comentários

  1. Noutra circunstância efetivamente ad-versa ao ensaio escrito anteriormente sobre a comunhão, síntese, adesão da peça de pintura de minha Companheira das Artes, Graça Fontis, e a minha obra, este aforismo agora sobre a morte.
    Havia ido ao mercadinho fazer algumas compras, estando a imaginar que os homens indagamos, perquirimos, investigamos a morte ao longo da existência, e não pensamos, indagamos, perquirimos sobre a sua sensibilidade, ela que é omnisciente, omnipresente. Retornando, esbocei um aforismo, e por volta das cinco horas da manhã de hoje, dei alguns retoques. Quando Graça Fontis acordou, contou-me que havia sonhado comigo com alguém atrás de mim decidido a matar-me, estava eu num corredor, e ela de fora gritava para que fechasse as portas, mas não conseguia fazê-lo, acordou com a pessoa me perseguindo. Não lhe disse coisa alguma sobre o aforismo que acabara de terminar. Esperei para que ela dissesse algo, após a leitura. Lera, após dizendo "Você escrevendo sobre a morte, eu sonhando com a morte. Como é possível esta interação entre nós?"

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