Ana Júlia Machado POETISA E ESCRITORA INTERPRETA E ANALISA O AFORISMO 224 /**TRANSEUNTES ANÔNIMOS**/


A este aforismo dos autores Manoel Ferreira Neto & Graça Fontis, que verbaliza que por momentos cobiçou ser um desses caminhantes incógnitos,
E agregar-se à plebe,
Ao pó do alcatro ou
Ao sussurro das bazares, eu vou chamar divagações….
Pois, a serventia por este mundo é o enigma por desmascarar
Linha que se solta sem se enxergar o começo
Sinuosidades enovelam os dias e os assombram nas tenebrosidades.
Entre tempos regressa-se a esta areia de primeira água
Ausculta-se o murmúrio das vagas em ira destruída subitamente
Como se do reentrante das idades nos procurasse rememorar.
Receia-se, abala-se incessantemente de algo
Transitam semblantes que não autenticamos, existências que omitimos,
Passamos por nós sem notarmos
Jornadeamos como se algo carecesse, nas profundidades do ser
Quão tempo durará a voltar a achar?
Desconhecido pressentimento de transitar, de viver, breve disposição...
Admiração.
Mundo mira-nos aguilhoa de todos os seres,
Espera por nós transeuntes no ininterruptamente em pesquisa de algo.
Apenas esta areia de primeira água restitui a comparência de tudo
Velozes fendas no enrugado das lágrimas vertidas na atmosfera.
Culteranismo, obstina-se, aqui não descobrem espaço!
Tudo se arruína em bruma onde já não se interpreta o colorido.
Deste Extremo onde se enxerga o nada
Nas arribas arruínam-se cegueiras e restaura-se em enaltecimento a claridade
E os devaneios serão alucinação?
Com os devaneios descobre-se a compreender a alma e a reinventar o planeta
Sem pretender ou não pretender, entrada ao domínio do mais penetrante
Sem estorvos, eficácia resultante de todas as evasões.
É além que tudo se exibe no interior das dissimulações
E o que se patenteia por querença nada almeja auferir.
Querença fidedigna a si inerente sem abdicação ao manancial genésico,
Disciplinável intenção escapulindo-se ao despotismo que nos mortifica
Para acatar e cada vez mais amordaçar o latejar autor.
Transportamos ónus de plangência, miremos o feroz enclausurado
Quer berra irrefreável ora geme subjugado sob o açoite
Subjugador, de nós pessoa insignificante, sem carácter,
Que se pode manobrar à vontade como um títere…
Se por acaso, eleger-se ceifar os ímpetos, algozes seremos e refreados,
Sem a pujança dos sentidos frágil é a causa.
Os mastros oscilam ao paladar do vendaval
O sangue torna-os vergáveis e os ramais não britam,
Querença é sangue do mastro que somos, quem o sofre é possante, quem o estanca cessa.
Os homens arrancaram o físico do espírito, aniquilaram a Querença
E o planeta imergiu no tumulto, não a babel primitivo, mas a babel emergida de ideais
E prejuízos coibindo o sensitivo, padronizando atitudes,
Entrosagem social que arredou o humano da Essência
Afastando-o de si-mesmo adulterou a intelecção.
Quiçá um Protector de gados atravesse a nossa vereda
Urze soltar a querença aferrolhado
Da espécie de coisa que se presenteia ou aufere.
Rancor é despotismo que tiraniza,
Afeição absoluta soltará a humanidade da servidão.
Seria bom que deixássemos de observar os físicos que jornadeiam na rua, físicos cujo fundo não se contempla e que são a opacidade das tenebrosidades doentias de seus impulsos vivos como larápios, lagartos, encobrindo sigilos intangíveis, encarapuçando temores inenarráveis. Imergir neste planeta violento, abalar para sempre deste sepulcro assustador e gélido. Caminhante incógnito.


Ana Júlia Machado


#AFORISMO 224/TRANSEUNTES ANÔNIMOS#
GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira Neto & Graça Fontis: AFORISMO


Por instantes desejei ser um
Desses transeuntes anônimos
E misturar-me ao povo,
À poeira do asfalto ou
Ao burburinho das lojas;
Fugir para sempre deste mausoléu
Trépido e frio
E mergulhar neste mundo intenso,
Enigmático, um colorido fantástico
Camuflando segredos invioláveis
Subjetivados em rostos e sorrisos
Atitudes relevantes e previsíveis
Desconhecidos casuais... sensuais
Por instantes... imortais.


Ânsia do existir: sentimento do vazio. Complexidade. Ausência de sentido da vida. Entrega à leveza no existir. Fechar os olhos, esvaziar a mente de idéias, a língua de palavras, enquanto observo através deste mausoléu os transeuntes anônimos. Só me resta um fio de desejo, esquecendo-me da vigília de olhares de esguelha, soslaio, de banda para os solstícios do "Ser" que paraclitam o pássaro a re-duplicar o canto para a sinfonia e ópera da fé na esperança do sonho. É importante estar acordado para ver o que tem de ser visto, a poeira do asfalto, as folhas secas espalhadas na calçada, a menina, transeunte anônima, carregando a pastinha, indo receber as lições do professor, o boêmio cogitando ser importante dormir para sonhar com a falta de tempo, o advogado, de terno e gravata, confere as horas no relógio de pulso, o som é macio, sem a menor estridência, marcha como um cavalo de crinas longas, solto e sem sela.


Sentindo profundo o demasiadamente humano, a imperfeição para auscultar o inaudito dos mistérios e enigmas, ouvir os interditos minutos entre o pulsar de meu coração, os sentimentos que lhe perpassam, sentimento de sentar-me no banco da pracinha, ouvir músicas, ser mais um entre todos que deixam o tempo deslizar tranquilo, passeando, conversando com os amigos, comendo pipoca, a mãe que, segurando as mãozinhas da criança, ensina-lhe a caminhar. Nada menos estou senão agarrada a este mausoléu, esperando o sono tomar-me por inteiro, viver, coisa que não conheço, sei lá se viver existe, se existiu antes - antes de quê? quando?


Bem tarde os corpos cansados encontram-se em sono profundo,
Ouve-se o estrepitoso e ensurdecedor som anunciando a tempestade, raios fosforescentes riscam, invadem o céu dentre a escuridão. Madrugada tensa, assustadora. Acordam... Sei lá se existir vive, se viveu antes. Olho os corpos que perambulam na rua, corpos cujo fundo não se vê e que são a escuridão das trevas malignas de seus instintos vivos como ratos, lagartos, camuflando segredos invioláveis, encapuzando medos indescritíveis. Mergulhar neste mundo intenso, fugir para sempre deste mausoléu trépido e frio. Transeunte anônimo.


(**RIO DE JANEIRO, 01 DE OUTUBRO DE 2017)


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