#AFORISMO 236/MISTÉRIO ANTIGO DE UM PAPIRO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


O con-tingente lume da utopia do sonho e sonhos de utopia na continuidade dos verbos e dos ventos ardeu sempre em minh´alma, e por haver ardido o olhar desviado e terno, balada de alguma mística, mítica, quem a ouvir "sininh-isticamente", algo extraordinário terá sido con-tingenciado, os isolados e exilados, solitários, à luz da terceira lâmina do imortal, resta a espera, que sempre é um dom, e os ideais perclusos desatam-se em utopia de busca, ouvido ao apelo de extraviar disfarces de realidade mais intensa, no canteiro verde do jardim cinza, onde des-abrocham seios e úberes, um estilo de performance das atitudes e idéias em síntese, mov-entes no tempo, lactâncias do ser, enquanto sofro e, sofrendo, liberto-me, solto-me, voo, e me re-componho e torno a viver, e trilho passos, no eidos da estrela invisível "Adiante", em letras góticas...


Re-verso de in-versos revezes...


O gosto do risco procura-o o herói real, de carne e osso, de força e determinação, o jogador que pode perder – o pôquer, por exemplo, ec-siste para jogadores desesperados por dinheiro, quem não o tem para perder, que importa arriscar o que tem para a sobrevivência, a vida? Mas o espectador da sua luta, degradado na sedução da ação, acentua a sua mediocridade no não poder aceitar a derrota, no fingir que corre o risco mesmo em ficção, seja ele mais excitante que o da verdade quotidiana incólume, insofismável, mas com a certeza prévia de que o risco é vencido. O que ele procura é a pequena lisonja à sua átima vaidade, ao seu orgulho minúsculo, a figuração da coragem para a sua covardia, a re-presentação da força pára e só a vitória do herói a quem passou procuração o pode lisonjear. E se o herói morre em grandeza, há o prazer ainda de o espectador estar vivo para saborear a coragem do que morreu e a não pode já saborear, saber-lhe o paladar suave e terno. A vida do herói estende-se assim para além da sua morte, para bem distante, longínquo em verdade, da sua imortalidade, da sua inesquecibilidade, onde a espera o espectador para se in-vestir da glória que lhe coube e ele já não pôde gozar, no poder que se lhe vestiu com estilo e bom gosto e ele já não pode saber a diferença entre a virtude súcia e a lídima ética, o valor esplendente e estúpida moral dos comportamentos, atitudes, gestos. É de dentro da vida e do conforto que o espectador da cor-agem - o sangue percorrendo as veias, eivando de vida o corpo das esperanças - saboreia o prazer da coragem que não tem, que não sabe nas pré-fundas de si a inveja estar presente, não sabendo ele de seu estado latente, haverá quando se manifestará por inteira. Daí, por vezes, a ilusão de que também ele poderia enfrentar os mesmos riscos, se os enfrentasse, se os peitasse em ação direta e reta, sem comer o angu pelas bordas por estar mesmo muito quente, fervendo, a fumaça a-nunciando-se plena e vigorosa, esvaecendo-se – jamais o disse, mas isso de comer o angu quente pelas bordas revela quem assim age lança seu rabo à escravidão e servidão, pensa nas necessidades futuras. O que lhe fica à superfície de toda a ação é o gosto da ação e não a dificuldade de realizá-la. Daí que na realidade ele pudesse quiçá atirar-se a essa ação, se tudo fosse possível efetivar-se num momento – no momento em que não teve tempo ainda de conhecer o que aí se esconde, no momento em que não teve tempo de saber que não era corajoso.


In-versos re-vezes de re-versos sonhos, in-clusas as quimeras e sorrelfas...


Nada nesta vida emociona-me tanto quanto o espírito, essa águia que atravessa o infinito de cabo a rabo, por vezes apenas pairando no ar, à mercê dos ventos, deixando-se levar, deliciando-se em seu próprio espetáculo de dança, deixando-se cair e subindo quase além do Olimpo dos deuses, por vezes batendo as asas livre e espontaneamente, a certeza de que nada irá impedi-la de real-izar o seu destino único e ecs-clusivo, e continua voando sem limites e obstáculos por sempre, por toda a etern-idade, nalgum sítio des-cansando nos ausp-ícios de algum pico ou montanha, na areia de oceano ou mar, na grimpa de uma árvore qualquer no serrado, re-cuperando as energias para outros vôos, outras conqu-istas do espaço e do ar.


Águia que atravessa o In-finito
De cabo a rabo,
À mercê dos ventos,
Deliciando-se em seu próprio estilo de dança;
A águia continua voando sem limites e obstáculos
Por sempre, por toda etern-idade,
Outras conqu-istas de desejos, vontades,
Razões se me a-nunciam no íntimo,
No espaço de letras e idéias,
Busco o sonho de entregar-me
Inteiro aos verbos que me habitam,
Suas conjugações defectivas ou não.


Re-versas as re-vezes...


Edifico o que sou só com ruínas, todos os versos que escrevo iguais, a sonoridade que crio inspirado na dis-fonia e sin-tonia das palavras, na sin-fonia dos sentidos que desejo dar-lhes, por vezes me ad-miram, por vezes sinto-me ridículo: opacas paredes, transparentes e límpidos vitrais, veludos negros, alvas musselinas; peço ao mistério antigo de um papiro a alegria de quem dança frevo, preencho o vazio de sossegos, a solidão de calmarias, o deserto da alma de silêncios sublimes e insolentes à luz de conflitos, dores e sofrimentos. Ai de mim que canto com voz frígida consolos fugidios, glaciais, nênias, hibernais epinícios... Senhor, peço-Lhe pelo menos trégua, pode acreditar que não vou lavar a égua, sei que o prazer é fugaz, sei que a felicidade, às vezes, é tripúdio das dores e sofrimentos.


(**RIO DE JANEIRO**, 05 DE OUTUBRO DE 2017)


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