**SE O BURACO FICA MAIS EMBAIXO...** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto


Bons dias!


O buraco de cima fica mais embaixo e o buraco de baixo fica mais encima – eis a linguagem que encontrei, ou penso, imagino, intuo, fantasio, em última instância, quimero, para escrever este “testículo”, isto é pequeno texto, torna-se-me mais fácil fazê-lo, para abordar a intenção de uma das maiores polêmicas de minha obra, o verdadeiro sentido será dificílimo de ser estabelecido, a ambigüidade presente, o riso e a seriedade impedem, mas se a intuição for bastante aguçada, não ficar centrada na dimensão sexual, pode-se vislumbrar o que é de meu propósito. Ad-virto que levará anos a fio e a pavio para isto.
Quem não sabe que as reduções são pré-judiciais sob quaisquer prismas que se analisa ou interpreta, motivo mesmo para muitas coisas ainda não estarem esclarecidas e transparentes. Então, no que tange à leitura de um texto polêmico, a redução não leva a lugar algum, tudo fica somente em nível das linhas, isto não é nada, nada mesmo. O texto nas suas linhas, não há como negar, negligenciar, é cínico e sarcástico à sexualidade vista à luz do vulgar e da popularidade, Contudo, a interpretação à luz das entrelinhas é mesmo possível, e só tem a ensinar sobre a mente, às vezes, sobremodo deturpada quanto à sexualidade humana.
“Se não der para enfiar no buraco de cima, tentar o de baixo será mais aconselhável” – dissera-me a funcionária da papelaria, quando fui tirar cópia de uma foto para a nova edição deste jornal, estando ela no “pen-drive”. Confesso apenas haver ouvido o que dissera, ocupava-me em enfiar o pen-drive no buraco de baixo, e, ouvindo as risadas, é que atinei com as palavras, o sentido ambíguo que expressavam. Os clientes presentes não tiveram alternativa senão cair na gargalhada, mais pelo modo inocente e ingênuo de dizer, não tinha intenção alguma de ser ambígua, do que, pelo sentido, que a fala mostrava e identificava. A moça ficou desconcertada, ruborizou-se, não atinara com o porquê das gargalhadas, a outra funcionária disse-lhe ao pé do ouvido o que foi entendido com a sua fala descompromissada. Abaixou a cabeça, mostrou-se bem arrependida com o que dissera, ali na papelaria não era o lugar para estas falas, tinha que respeitar os clientes. Pensei que fosse peão tivera qualquer intenção, não o fez, contudo, fora atender outra pessoa. O que mais ad-mirara nela, uma mulher que assume o que diz.
Se Deus houvesse dado asas à cobra, não estivesse quem ameaçado de morrer com sua picada, mas Deus sabe o que faz, não dera asas à cobra. Sabedoria de Sua parte, obviamente, mas os motivos d´Ele ninguém jamais ou soube ou saberá até à consumação dos tempos. Não seria interessante ver uma cobra voando nas alturas e mesmo baixinho? Só mesmo a “interessância” do fenômeno porque no resto só medo habitaria o íntimo de todos os homens. Se não houvesse o sentido ambíguo, dúbio, de tudo que se fala, como seria possível entender as intenções que habitam nas entrelinhas, o homem seria compreendido de imediato, depois de tantos milênios de sua ek-sistência, nada mais precisaria ser questionado, não seria necessário qualquer dúvida, des-confiança. A ambigüidade protela o conhecimento, amplia-o, seguem os mistérios por todos os séculos dos séculos, amém. Tanto melhor assim. Jamais se poderia dizer que o buraco do homem fica mais embaixo ou mais encima, se o de baixo fica em cima, se o de cima fica embaixo. No século XIX, pode-se dizer, poder-se-ia fazê-lo com in-vestigações as mais percucientes, sem deturpações ou adulterações da história, que o de cima ficava embaixo, no século XX, o de baixo ficava encima, o XXI acaba de nascer, nada ainda se pode dizer do “buraco” do homem, reveza-se, ora o de baixo está encima, o que lembra o século XIX, suas situações históricas, políticas, sociais, econômicas, individuais, ora o de cima está embaixo, o que lembra o século XX, quando as respostas todas às perguntas mais percucientes da humanidade foram levadas pelo vento, e jamais serão recuperadas na sua essência, não se sabe em qual meter o bedelho para enfiar as intenções dos questionamentos e críticas. Se enfiar no de baixo, a resposta virá do XIX, vice-versa, a resposta virá do XX, se enfiar em ambos, as respostas serão tão contraditórias e paradoxais que a sensação inevitável é de loucura.
Fora ontem, caríssimo leitor, que a funcionária da papelaria dissera-me isto, por volta das quatro horas da tarde, estava começando o crepúsculo, e neste tempo os questionamentos e perguntas são mais presentes, deseja-se alguma resposta para passar a noite, dormir mais tranqüilo e sereno, ter a esperança de que o novo dia será diferente, apresentará outros rumos da vida e do viver. Comigo, a esta hora, é tempo de inventário das minhas situações e circunstâncias, o que elas me trouxeram de crescimento e benefício para os questionamentos da vida e da ek-sistência, e a partir disso aumentar a fé e a esperança de meus propósitos e pro-jetos serem alcançados, é o húmus de meu futuro, da vida que pretendo realizar. O resto do dia, lembrando-me, a risada era inevitável. Difícil é encontrar-me rindo pelas ruas da cidade, não que eu não ria, seja um homem fechado a centenas de chaves, abrir-me só em caráter excêntrico e inusitado, não tenho motivos para isto, muito embora o sangue que corre nas minhas veias, e de minha formação individual que consegui na vida com os ensinamentos de minha família. Conhecidos e amigos que me encontraram no bar, comprando cigarros, na mercearia, comprando verduras, espantaram-se, perguntando-me o motivo do riso, explicando-lhes com todos os pormenores da situação vivida por mim na papelaria, saíram rindo a bandeiras mais do que soltas. Josefina, minha amada esposa, molhou a calça de tanto rir, e olhe que escolhi as palavras devidas para lhe dizer, conheço as suas reações diante das situações quotidianas, têm um senso de humor aguçado, senso crítico sobretudo sensitivo, diria até que me superaria em todos os níveis no que concerne às ironias e cinismos, são estados de sua psique. Fiquei apreensivo com medo de ela ter um piripaque.
Não dera outra. Sonhei com a cobra. Estava eu em minha redação com um amigo, se não me engana a memória, Beto Cascudo, cartunista de um dos tablóides de nossa comunidade, um dos grandes artistas-plásticos, conversávamos sobre falas, ditados, ditos populares, expressões idiomáticas. O primeiro dito a que se referiu foi “Deus não dera asas à cobra”, que explicara de modo bem interessante o motivo de não: não dera porque a cobra não tem ossos, se ela tivesse ossos seria bem difícil as asas darem conta do peso delas. E diante de sua flexibilidade, voando, mesmo com pequeno vento, interessante seria ver esta flexibilidade, o corpo da cobra dançando no ar, músico teria inspiração fenomenal para a sua lírica. Ademais, como que ela entraria nos buracos sinuosos, não teria qualquer flexibilidade, as asas seriam o mais empecilho. Eu ria, ria, ria de sua explicação excêntrica. A cobra pode entrar em qualquer buraco, seja ele pequeno ou grande, sua flexibilidade garante qualquer resultado, pode diminuir a espessura para os seus propósitos. Para a cobra não há buraco em que não entre, seu objetivo é apenas descansar ou fazer a sesta do que comera. Engolir um búfalo inteiro é motivo para uma sesta mais demorada. Acordei numa gargalhada daquelas, chamando-me a atenção Josefina, poderia ter acordado os vizinhos do primeiro andar, minha casa tem três andares, vivemos no segundo e terceiro, o primeiro é alugado. Dizendo isto, lembrei-me de nosso maior edifício, não sei se vinte andares, seria que a minha risada cobriria todos os andares do prédio, e todos xingando: “Quem seria o imbecil que os acordou com risada tão altissonante? Qual teria sido a razão disso? Tinha de ser uma muito especial”. Contei-lhe o sonho que acabara de ter, a cobra não tem ossos, Deus não deu asas à cobra. Qual a relação entre a cobra não ter ossos com Deus não haver dado asas à cobra? Teria alguma relação, senão viável ou plausível? Não são todos os répteis que não têm ossos, a cobra não é a única exceção, existem outros, não saberia eu dizer quais são os que não têm. A sabedoria de Deus é realmente impressionante, transcende todos os limites de nossa razão e sensibilidade, não, leitor? Se a cobra voaria, Deus sendo compassivo e solidário com ela, com ossos, isto é coisa para re-fletir e meditar, mas aos olhos dos homens e da humanidade não seria a mesma coisa, não seria um grande espetáculo, uma peça teatral da sátira do reino do veneno e da lingüinha.
Do modo como descrevi o sonho, não tivera alternativa senão rir. “E a cobra, meu marido, não é um músculo... A de músculo existe somente na psique dos homens sem valores nenhum”, aí é que rira mesmo, abriu-se por inteiro, não senti nela qualquer pejo ou princípios morais e éticos tradicionais, diria que se esqueceu de tudo isso, era ela a mulher com quem sempre sonhei, sem sensos pré-determinados, identificou a mulher sensível às hipocrisias e farsas da humanidade.
- Já pensou, se tivesse ossos, estaria sempre durinha... Isto id-ent-ifica o desejo exacerbado, além de se fosse uma cobra cascavel, entraria em qualquer buraquinho, é fina. Se fosse uma jibóia, é que os buracos iriam sofrer, para neles entrar, teria que arrombar mesmo, rasgar. Tudo depende da psique humana.
Não vou perguntar ao meu caríssimo leitor qual a credibilidade deste questionamento, eu posso dizer que nestes termos, em quaisquer outros, vivo bem com a minha esposa, somos abertos a todos os diálogos.


(**RIO DE JANEIRO**, 05 DE ABRIL DE 2017)


Comentários