MUNDICO “SALGADINHO” - PINTURA: Graça Fontis/CONTO: Manoel Ferreira Neto


A figura do sujeito espantava à primeira vista; é pouco dizer “espantava”, em verdade causava medo – confesso jamais haver visto outro nestas condições; são essas figuras que inspiram, são pura crônica, conto, sátira. Roto, sujo, cheirando mal, sempre agarrado a um desses sacos de sal grosso que ou trazia às costas ou deitava ao chão, quando se sentava no meio das ruas e avenidas para falar, falava mais que os seus colegas na chuva. Falar, falar, falar. Como falava sobre si, era o seu assunto predileto, se é que soubesse ou conhecesse outro.
Mundico “salgadinho” – apelido que recebeu devido ao saco de sal grosso – era homem honesto, trabalhador, muitíssimo conhecido nas bancas do mercado municipal, que não é mais municipal, todos os cômodos têm seus proprietários – qualquer dia desses vai desmoronar; se acontecer, apesar dos prejuízos sem limites dos proprietários, será um favor para a saúde pública, sujo, fedorento -, que negociavam com alpiste, ração e mistura para passarinho. Emprego, tinha. Na Prefeitura, era lixeiro. Perguntando sobre emprego, o que fazia na vida, abria o saco e tirava a carteira do Ministério do Trabalho.
- Num sou como o Zé Rosca ou João Calango, não sinhô. Minha famia é gente de brio, num tem muié vadia, vagabunda, não sinhô.
Debulhava o “causo”.
Zé Rosca e João Calango vizinhavam com Mundico “Salgadinho” no Curiango, lá pelas margens do córrego. O primeiro, Zé Rosca, morava mesmo numa grota, num fundão de buraco com a rua lá em cima. Uma escadinha, da rua até o barraco. João Calango, este, a bem dizer, já quase limitava com o seu lote; uns dois lotes adiante, na (da) mesma rua. Eles, mesmo, negociavam com pássaros, sempre viajavam para Várzea da Palma, trazendo cada semana uma multidão de canários-chapinhas, coleirinhas, trinca-ferros, para mais de quatrocentos pássaros. Mas Mundico “Salgadinho” não. Se tinha os sereszinhos de asas em casa é que os amava de paixão, amava acordar de manhã e ouvir a sinfonia de inúmeros pássaros diferentes cantando, saudando a manhã do Criador. Alguns tinham desde menino, dos tempos que vivia em Cordisburgo
- Sempre gostei de passarinho. Pegano aqui, pegano ali, ganhano este, ganhano aquele, são tudo para mais de cem os meu passarinho...
Tinha até tiziu.
- O sinhô viu? Um tiziu, um porcaria á-toa dum tiziu que num vale de nada!
Gostava dos sereszinhos e por isso os tinha. Tinha mesmo um Tiziu. Fora eu passear uns dias em sua casa, em Cordisburgo. De manhã, logo que o dia amanhecera, acordou-me para irmos caçar passarinhos, coisa que eu jamais tinha feito, estava feliz da vida, caçar com ele devia ser bem emocionante, pegava mesmo os bichinhos. Pegamos uns quatro canários-chapinhas, dando-me um de presente, escolhi o que até dobrava de tanto cantar, levando para casa. Descansamos à beira de uma lagoa. Cochilei. De sacana, jogou minha chinela dentro da lagoa. Acordando, cadê ela? Disse-me haver caído na lagoa. Pulasse e pegasse. Não tivesse medo. Era rasa. Inocente, pulei. Quando viu que eu estava quase afogando, pulou e me tirou. Pediu-me que não dissesse nada ao seu pai. Apanharia por isto.
Mas o Zé Rosca, o porco do Zé Rosca, que gostava da mulher de João Calango, esses dois vendiam caro os passarinhos. Chegavam com aquela remessa de duzentos ou trezentos e vendiam tudo para os doutores lá da rinha. Lá na rinha é que tinha passarinho de valor.
- Vamo lá na rinha e o sinhô vai confirmá se num tou falando sério; tem passarinho de milhão, de cinco milhão, de dez milhão. Tudo canário de briga. Mas eu nunca vendi passarinho meu. Eu gosto dos meu. Gosto desde criança, que passarinho é minha paixão e meu vício. Se alguém quisé, que vestigue minha vida porgresse, se alguém disse qu´eu já vendi passarinho pr´ele, dou meu pescoço à força, num quero mais chamar Mundico “Salgadinho”.
Pobre Mundico “salgadinho”. Olhinhos miúdos, úmidos de emoção, vermelhos da vigília, a carapinha suja e embarcada, a voz chorosa. Estava destinado, sem saber como salvar os seus passarinhos. Alguém fizera uma denúncia e a “polícia florestal” apreendera os bichinhos. Eram ao todo 162 avezinhas, agora apreendidas, e era impossível não ter lei que favorecesse um pobre diabo como ele, que não podia viver sem os seus passarinhos. E como estariam os coitadinhos a essa hora? Quem iria cuidar deles, dar alpiste, limpar o fundo da gaiola, colocar areia, lavar os poleiros, dar remédio para a canarinha doente? Ninguém iria se importar com isso.
- Imagine o sinhô, seu moço, que eu cuidava dos bichinhos com amore de pai p´os fios. Toda semana, tava eu na esquina do mercado, ao lado do açougue, na banca do Zé Piolho comprano comida p´os pobrezitos. Toda sumana dois quilo e meio de alpiste, meio quilo de mistura e um quilo de fubá grosso mo´ de o passo-preto, canta que é uma beleza, já quiseram me dá fortuna por ele, não vendia, tirava ele da gaiola, colocava na palma da mão, fazia cafuné na cabecinha dele, um mimo. Jiló, é três quilo por sumana. Inté remédio eu compro, de pô na água, causo um fica doente que nem a canarinha berga que eu tava tratando dela. Mais de duzentos cruzeiro que eu gasto por mês. Gasto com amore, seu moço. E agora lá pr´onde foram levados quem vai dá trato nos pobrezitos?
Dava pena ver e ouvir a aflição de Mundico “Salgadinho”. Tinha mesmo amor por seus passarinhos; não os pegava para mostrar ser bom caçador, ter fama, deixar-lhes presos sem cuidados. A sua vida eram os passarinhos. Amigos, companheiros que o rodeavam, solidários com a sua dor, confirmavam com a cabeça as suas alegações. Um deles adiantou-se aos demais para testemunhar suas palavras.
- Pode acreditar, doutor, que está dizendo a verdade. “Salgadinho” cuida mais dos seus passarinhos do que de si próprio. Ele anda assim (aludia aos molambos, sujeira, fedentina de Mundico “Salgadinho), mas para os passarinhos nada falta. João Calango negociava alto com passarinhos, algumas espécies valiam o olho da cara. No Curiango, era muito conhecido pelo comércio das aves, fazia grana solta, e por ser marido chifrudo.
Tinha uma mulher que era um pedaço de morena bonita, magrelinha (como dizia Mundico “Salgadinho”) do cabelo liso, caindo-lhe aos ombros, olhinhos pretos, sobrancelha pequena, tipo de índia. Dengosa, sensual, falava com vozinha baixa, terna, puxava um pouco o “r”, deixava qualquer um subindo nas paredes de tanto desejo. Quando o marido viajava, topava qualquer tipo dentro de casa. Era cada tipo de dar medo, sujo, fedendo, cheirando a cachaça, trajes aos molambos, barbas por fazer, desdentados. Gostava mesmo de ter prazeres. Com o marido, não sentia nenhum.
Uma mulher á-toa que nem galinha do mato. Vivia só bebendo e fumando, mascando fumo preto, cuspindo que nem louca, o chão ficava aquele nojo. Se quem chegava lá, se ela não estava com um copo na mão, mandava logo buscar uma cerveja bem geladinha, uma garrafinha de pinga. Deu de ultimamente ficar com o Zé Rosca, o outro vendedor de passarinho. O Zé ia na casa do João com desculpa do comércio e ficava de tentação com a vagabunda. Sempre na hora que João não estava em casa. Nego esperto. O marido sabe, não sabe, não liga para o caso. Viaja toda semana para Várzea da Palma e... enquanto isso, o safado do Zé Rosca faz farinha na casa dele antes dos vinte minutos de diversão, e depois conta piadinhas daquelas para a mulher ficar mais satisfeita ainda. Nunca vi um trem desse, igual não existe. Até a velha mãe da vadia dá de amoitar a fia na sem-vergonhice. Não é dizer que é um só; é qualquer homem que bate na porta ela põe ele na cama. Jegue mais dia, menos dia, perde a ferradura. Vai dar morte isso. Zé Rosca é homem até de conversa mole, uns trejeitos com a mão, tranqüilo, mas se alguém pisar nos calos dele é ignorante que nem um burro, dá coice mesmo.
A estória da mulher do João Calango com o Zé Rosca acabou por cair nos ouvidos de Nadinha. Nadinha era mulher forte, grande, gorda, macho bravo tinha medo dela, de braços firmes e grossos, acostumada no trabalho pesado, lavando roupa para fora, a fim de ajudar o marido. Certa vez, por causa de cabelo-louro, muito cabelo-louro, nos retalhos de carne, que o filho levou para casa, comprados no açougue do Pirulito, açougueiro mais bravo, ignorante, matava para ver o sangue correr, foi devolver, Pirulito não quis aceitar a devolução, gritou com ela. Nadinha lhe plantou a mão na cara. Saiu de trás do balcão. Ela apanhou uma faca sobre o balcão grande e afiada, de matar boi: “Agora vem, canalha, vou sangrar um porco hoje”. Pirulito amarelou. Com cinco filhos pequenos, o mais velho beirando dez anos, igualzinho a mãe, apesar de franzino. A mãe plantou a mão na cara de Pirulito. Vadinho deu uma surra no filho dele porque o chamou de “viado”. Os irmãos de Lulu viviam atrás de Vadinho, secos nele; mas Nadinha jurou que matava mesmo que encostasse a mão no filho. Jamais houve a surra. Mulher quando dá de brava não tem macho, coroné que tenha coragem de enfrentar. Surra ou morte pode ser o resultado, e a mofa da cidade inteira: “O machão apanhou de uma mulher”.
Não eram fáceis o dia, a noite na casa de Nadinha e Zé Rosca. Deles se dizia que quando casaram fizeram um trato de morte, caso um traísse o outro. Ainda namorados, na feira do mercado municipal, uma mulher se meteu com Zé Rosca. Nadinha partiu para cima. A mulher saiu na carreira, iria apanhar e muito. Zé Rosca segurou-a. Teve de tirá-la do mercado, levá-la embora. Ciumenta mesmo.
- Eu já sou diferente, dizia Zé Rosca; eu e minha muié fizemo um trato: se ela algum dia tomá birra de mim, deixa ela ir pr´onde quisé. Num tem problema. E eu, mesma coisa. Se achá que tá tudo acabado, digo té logo e sumo no mundo, nem o capeta vaia tê notícias de mim. Mas o João Calango e Teca juraro que um mata o outro que traí.
Sendo assim, o diz-que-diz precisava ser apurado. Nadinha pôs-se a prestar bastante atenção aos passos de João Calango. Certo dia, disseram-lhe que João Calango havia viajado para Cordisburgo caçar, um casal de paulistanos havia-lhe encomendado um casal de pintassilgos, artistas de cinema, pagariam boa nota. Na verdade, ainda estava na cidade, e a vadia da mulher já estava com Bode Preto na cama. Duas horas da tarde, Nadinha foi à casa de Zé Rosca indagar se este estava. Estávamos os dois comendo torresmo, bebendo pinga e ouvindo músicas numa eletrola, ouviam Zé Rico e Milionário. Quem atendeu foi a veia, mãe da vadia, vagabunda. Ainda não se conheciam.
- Seu Zé Rosca tá em casa, dona? – perguntou Nadinha, esticando os olhos para dentro do casebre.
- Não, num tá não! Foi viajá para buscá passarinho. Por quê? Vamo entrá!
A porta estava entreaberta. Viu a mulher e o homem sentados na mesa, comendo e conversando. A música estava alta, não ouviram as vozes, estavam concentrados na conversa, não olharam quem havia batido à porta.
- Não, dona, brigado. Fica pr´outra feita.
Nadinha voltou desconfiada, olhando de través para trás. Se Zé Rosca chegasse em casa, visse os dois bebendo, comendo, ouvindo músicas, iria entender algo diferente entre os dois, tiraria o “três - oitão”, que sempre trazia na cintura, e mandaria os dois para os quintos do inferno, sem pestanejar.
Naquele dia, colocou o filho mais velho de tocaia. Ano antes, quando o marido, numa mesa de jogo, no Bar do Boa, atirou no peito de Paturi, matou-o. Ficou preso por nove meses. Soube que o marido recebia prostitutas na cadeia, ela e o filho ficavam escondidos atrás da árvore, vigiavam o movimento na cadeia.
- Fica ocê no ponto de ônibus, vigiando se Zé Rosca volta da cidade. Quando ele decê, toma sentido se ele vai para casa.
Zé Rosca resolvera os negócios na cidade, na parte da manhã. Aconteceu, pois, que deram quatro horas, cinco horas, e nada de ele aparecer em casa. Bode Preto já tinha ido embora. O menino resolveu então abandonar o seu posto de vigia e bater à própria porta da Casa de Zé Rosca, como quem não quer nada e acabou pescando novidade. Dito e feito. Apenas fronteirou o portão viu Zé Rosca, de costas para uma janela, penteando os cabelos. Tomado um susto grande, parou rente à cerca, ocultando a cara. Desabalou a correr. Em poucos minutos estava em casa. Trazia o coração na boca sem poder falar. Ainda arfava da correria, quando o pai apontou no topo da rua, cortando a possibilidade de Nadinha especular o acontecimento. Bode Preto estava descendo a rua em direção à casa da vagabunda. O marido estava em casa.
João correu para lhe avisar.
- Bode Preto, onde pensa que tá indo?
- Vou na casa de João Calango.
- Não, ocê não vai não.
- Por que não?
- Zé Rosca está lá.
- Credo em cruz.
- Pois é... Se quisé morrê tá na hora. Home, ocê vai dá mal nisto de torá a muié dele.
- Cai fora...
Bode preto subiu a rua às pressas. João Calango voltou para casa. Nadinha estava à porta do casebre, olhando a conversa dos dois. Sabia o que estava acontecendo.
- Mãe, Zé Rosca tá lá no barraco... – disse-lhe o filho depois que o marido saiu correndo rua acima. Foi quando chegou à porta e viu os dois conversando.
Chegando, Nadinha só lhe disse:
- Acabou de salvar uma alma dos quintos do inferno.
- É... Muié, estende a cama, tou com sono!
De fato, levantava-se muito cedo e deitava-se também cedo. Nadinha estendeu. Em pouco, Zé Rosca soprava como um justo.
O barraco do Zé Rosca ficava numa grota abaixo do nível da rua. Sobre a laje que servia de telhado e ficava ao rés da rua, havia uma sucata de ferro de construção e pedaços de cano. Uma escadinha levava até o alto da laje para a rua. Nadinha, em três lances apenas, alcançou o alto, armou-se. Zé Rosca já tinha saído para a sua viagem. Bode Preto estava no barraco com a vagabunda.
Entrou pela porta adentro. Bode Preto deu um pulo da cadeira, quando viu Nadinha com um pedaço de cano na mão.
- Patife... Cê tá quereno o quê? Morte...
Bode Preto quis dizer alguma coisa. Nadinha estava petrificada na cadeira. Ouvindo a porta bater com força, imaginou que fosse o marido. Houve um momento de pânico durante o qual o homem, os olhos estatelados, media a extensão do ódio da mulher. Nadinha mantinha o pedaço de cano pronta a descer o primeiro golpe. Cinco minutos durou a cena e o silêncio ameaçador. Bode Preto recobrou aos poucos a frieza, percebendo a hesitação da mulher. Esta trincava os dentes, mordendo a frase que nem chegava a ser ouvida:
- Eu te mato... eu te mato, seu fedaputa...
Em verdade, Nadinha estava tentando salvar a vida da vagabunda de Quezinha. Se Zé Rosca plantasse um tiro na testa de Bode Preto pouco lhe importava; é o que dá homem ficar comendo a mulher dos outros.
Por fim, acabou aceitando as explicações de Bode Preto: que era tudo pura mentira, mexerico de comadres, que nunca tinha tido nada – Deus me livre me guarde! – com a mulher de Zé Rosca; o que tinham eram negócios e quando ia à casa dele era sobre coisas do comércio deles na rinha, etc.
- tá certo, te dou mais um prazo para desaparecer daqui desta rua! Aquiesceu Nadinha... Mas... se tu me mentes, bandido, vou acabá com ocê.
Bode Preto sumiu da rua. Dizem que depois da lavada que Nadinha dera nele por causa de Quezinha, foi viajar.
Passado um mês, quando tudo já parecia serenado, eis que Nadinha ficara sabendo que João Calango estava com um caso com uma mulher no Alto Tote. Disseram-lhe o lugar do barraco da mulher. Lá foi Nadinha vigiar o marido, Armada com uma pedaço de ferro. O marido tinha saído de casa depois do almoço, dizendo que até às quatro horas voltaria, tinha uns negócios no Alto do Tote.
O barraco da mulher ficava num morro. Viu a bicicleta de João Calango estacionada na frente da casa. Foi chegando e plantando o pé na porta que arriou. Ambos deram um pulo da cama. A mulher saiu do quarto nua em pelo. Nadinha empurrou-a. Entrou no quarto.
- Patife! Vamo ajustá conta!
João Calango quis dirigir-se a ela, já estava de cueca. Nadinha gritou-lhe que ficasse quieto.
- Fica queto aí! Me obedece senão eu te mato! Responde, seu cão traidor! Quero sabê quanto tempo está me traindo!
A mulher saiu correndo do barraco nua sob o olhar de todos os moradores da rua. Entrou na casa de uma amiga.
- Vamo embora, seu filho-da-puta. Lá em casa acertamo tudo. Eu já tô sabendo disso faz dia, canalha, filhodaputa – gritava a plenos pulmões, estava completamente desequilibrada – Já escondi o teu veneno de matá os gato comedô de passarinho. Vou te dá um pouquinho e pouquinho até tu rolá na poeira de tanta dor nas entranhas maldita. E depois vou acabá com os menino e comigo! Até faço voto de sê gente de fora pra vê o tanto de caixão de defunto que vai saí tudo junto do barracão.
João Calango ficou caladinho. Se respondesse, era capaz de levar uma ferrada na cabeça, morreria ali mesmo. Ele não tinha forças suficientes para afrontar a mulher, era brava e mais forte que ele. Voltaram para casa. Ele na frente empurrando a bicicleta, Nadinha atrás, lavando-lhe a alma com todos os palavrões que sabia gritar, as pessoas passando, rindo.
O acesso de ciúmes tinha sido superado e só restou a ameaça. João Calango ficou assombrado com medo do veneno. Quinze dias seguidos não comeu, não bebeu, em casa ou nos vizinhos. Nadinha, porém voltou às boas e perdoou ou fingiu acreditar nas juras do marido, jamais iria se meter com mulher nenhuma.
E não é que a vagabunda do João Calango não foi à casa de Nadinha para uma conversa. Isto é que é ousadia, própria nem sei de quem falar na verdade.
- A muié vagabunda (contava Mundico Salgadinho), que nem sei o nome da safada! foi na casa de Nadinha, vê só: a vagabunda foi na porta da honesta! De cima da rua viu Nadinha lá em baixo, esfregano roupa, e foi logo gritano: - Ô dona Nadinha! quero falá com a senhora! A muié honesta num conhecia a muié vagabunda e, então, respondeu que tava no serviço, que num podia pará não, que a outra descesse pra falá co´ela. A vagabunda desceu e foi chegano pra honesta e dizeno assim: - Ô dona Nadinha, a sinhora fica sossegada que eu não quero o seu homem não! Quanto isto ouviu Nadinha ergueu da bacia de roupa, deu um passo pra trás e ficou medino a vagabaunda, co´os óio fuzilano, as mãos nas cadeiras larga. A outra continuou falano: - Pois se eu tenho o meu marido, que inda é novo, pra que eu ia achá de querê o seu, a sinhora com tantos fio pequeno ainda pra criá. João Calango só vai lá em casa por causa dos negócios que tem com o Lavinho.
Nem pensou nem disse mais nada.


Aérton Gonçalves Lacerda
(**RIO DE JANEIRO**, 02 DE ABRIL DE 2017)


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