**MISTÉRIO DE HELBEANE CORREA** - PINTURA: Graça Fontis/CONTO: Manoel Ferreira Neto


Helbeana Correa terminara o curso primário com distinção, reconhecida a melhor aluna de seu tempo, muitíssimos prêmios. Tímida, envergonhada, simples, nem parecia ser filha de bancário, recebia os aplausos, cumprimentos apenas com "muito obrigado.", educada, gentil. Não podia alguém dizer de seus méritos, tornou-se aluna exemplar em tudo, que não se sentia muito bem, algo mexia dentro dela, sentia medo.
Algumas de suas melhores amigas seguiram juntas, fazendo o ginasial, todas adolescentes cumpridoras de seus deveres estudantis, muitíssimo estudiosas. Frequentavam festinhas de aniversário, lanchonetes, o barzinho, bem comportadas. Algumas colegas as viam como prepotentes, "se achavam", burguesinhas do papai. Eram simpáticas, nada de orgulhos chinfrins, vaidades tolas.
Após uma redação que escrevera para a disciplina Língua Portuguesa, aplaudida pela professora de pé, os sentimentos e emoções de estar diante de uma jovem talentosa, com que simplicidade havia tratado o silêncio do adolescente, tendo ganho de presente de D. Marlene Peatro uma caneta, comprada em shopping, dizendo-lhe, vertendo lágrimas: "Assim é a minha contribuição para um início de sua vida... Nunca deixe de escrever. Colherá os seus frutos."
Sabem como é? Helbeane determinou um horário para escrever, por quanto tempo se entregaria àquilo de escrever, era tão estranho tudo aquilo. E entregou-se com distinção... Em pouco tempo, as amigas aplaudiam, não falavam de outra coisa senão os seus textos, eram profundos. O que era escrito só ficava aos olhos dos amigos, dos íntimos. Não por despeito, inveja, ciúme ou qualquer outra coisa que se possa dizer neste âmbito, mas outras pessoas liam por empréstimos dos xerox do original, mas os escritos não tinham os valores que os amigos lhe atribuíam, uma gênio. No futuro, se continuar, terá seus valores, mas esta engatinhando ainda.
Sempre uma dica sutil faz-se necessária, chamar a atenção. Estar com um olho no padre e outro na missa é importante, saber o que está acontecendo, as diferenças de opiniões, as contradições, equilibrar as coisas. As coisas funcionam naquele ritmo de nem tanto o céu, nem tanto a terra.
Tendo condições de bancar a filha querida e amada, proporcionou-lhe a edição de um livro com um título simples, ESTORIETAS, em editora de renome. Lançamento sobremodo suntuoso. O livro encalhava-se nas livrarias, nenhuma vendagem senão dos amigos dos amigos.
Ninguém conta com as coisas que se sucedem neste métier. Pode-se até usar uma fala bem interessante pelo seu sentido; "Segura peão...", lembrando nas exposições de gado haver o espetáculo de peões montarem animais bravos, cavalos, bois, há-de se segurar, o tombo pode ser fatal. Entrou em cena um crítico, em nível do crítico literário russo Biélinsk, crítico de renome, diferenciando-se de Biélinsk na sinceridade e seriedade de suas interpretações, quem escrevera um mini-ensaio, mostrando as razões de o livro estar encalhado nas livrarias, não tinha dons e talentos para a escrita, podia aprendê-los, quem sabe futuramente fosse reconhecida. Não deixou de parabenizar a jovem pelos seus conhecimentos da Língua Portuguesa, exemplar para uma jovem. Tal mini-ensaio foi publicado pelo Gazeta de Leituras, tablóide bem renomado naquela comunidade da capital mineira. Não houve quem não tenha endossado o trabalho do crítico dentre os que não acreditavam naquele talento e dom que os amigos atribuíam a Helbeane. Os amigos não disseram coisa alguma, de que modo contestar.
Por que, sabendo ela própria não ter valores literários, aceitara, con-sentira com as atitudes e ações dos amigos? Não teria tido ela alguma dica de que poderia terminar em ridículo? Talvez tenha apenas desejado agradar a todos os amigos, ser-lhes gentil, generosa.
O que ouvira dizer sobre este acontecimento com a jovem Helbeane Correa não me respondia esta questão. Seis meses depois, o pai dela foi transferido de cidade, seria gerente noutra agência. Não mais tive notícia dela.
Soubera ter ela tido sério problema de depressão, precisando fazer terapia, que não acredito haja sido devido aos resultados de seu livro, apesar de que mostrou-se garota bem orgulhosa de si mesma, envaidecida, coisas de adolescentes, não há como evitar estas experiências, não tendo jamais ultrapassado com a vaidade os limites do bom senso. A sua mãe comentara com amiga que Helbeane muitas vezes dizia antes de dormir: "Só Deus sabe o porquê tenho de viver uma coisa."
Algo deixou bem explícito, não se vangloriar, envaidecer com apenas as opiniões dos amigos, sentindo-se realizado, é quando se é nada. Viveu esta estorieta, deixou as suas marcas.
Mistério...


Aérton Gonçalves Lacerda


(**RIO DE JANEIRO**, 02 DE ABRIL DE 2017)


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