*MIRABLE DICTU** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Senhores e senhoras,
O assunto é por demais bicudo para se lhe analisar com as percuciências
da razão e do intelecto, isto de partido político. Deveriam todos em uníssono
comungarem as mesmas idéias, e serem ad-versos nos propósitos e projectos,
deveriam ser disciplinados, seguissem piamente o Credo, de traz para frente, em
nome do pai com a mão tocando o peito, do lado esquerdo fica o Pai, do lado
direito fica o Filho, do Espirito Santo, na testa, antes de rezar com toda a
alma presente. Há quem intencione (mirable dictu) - desculpai-me vós pelo
latinorum, mas tenho a intenção de mostrar em que nível estou inter-pretando o
verbo "intencionar" - que esse modo de ver e enxergar as coisas não
pode ir ao ponto de recusar, refutar, dar as costas às vantagens que desembocam,
caem das mãos dos adversários. A quem é dada a atitude de proferir tal
blasfêmia sem que lhe tremam as carnes e os ossos, um certo estremelique muito
parecido com contorcimento?
Contudo e todavia, sem esquecer do mas, ulucubremos que assim seja,
assim iniciando, dando começo ao que sinto e penso, que os adversários possam,
tenham capacidades racionais, vez ou outra, de quando em vez, vis-à-vis,
vice-versa, fechar os olhos aos interesses do governo e do povo, às ideologias
da burguesia, à postergação das leis, à protelação das emendas, deveriam
incluir as rasuras, aos excessos de autoridade, à per-versidade, aos sofismas,
às premissas.
Tais casos, aliás, muitíssimo raros, não se lhes encontram tão
facilmente, só poderiam ser con-sentidos, quando privilegiassem, reverenciassem,
os elementos bons e não os maus. "Cada partido tem seus discolos e
sicofantas", como numa reunião de todos os partidos num plenário na Câmara
dos Vereadores dissera o Vereador Teotônio Cristóvão. Não sei explicar-vos se
explicitando o que pretendia dizer com a sua frase, o que era "díscolos e
sicofantas", talvez tais palavras nem existam no dicionário, estava claro
que sativara as inspirações para a oratória, mas é fato que dissera é interesse
dos ad-versários que afrouxemos as rédeas, a troco da animação dada à parte
corrupta do partido.
"As idéias não morrem - continuava o seu discurso,após a frase de
efeito, que emprestara de seu correligionário, "Cada partido tem seus
díscolos e sicofantas" -, são o "lábaro da justiça".
Não houve quem neste instante que não haja esbugalhado os olhos com mais
aquela frase, mais o termo "lábaro", a sativada nas inspirações
estava dando resultados esplendorosos, magníficos, qual seria a fonte de sua
inspiração, o que tudo aquilo queria dizer, quais as suas intenções e
interesses. Não havia motivo assim para o susto com o termo, suficiente ser
lembrado do verso do Hino Nacional "... o lábaro que ostentas
estrelado"; haverá alguém quem se lembre do Hino Nacional no momento de
discurso no plenário?
Depois de se fundamentar com as frases do companheiro de partido,
terminara com uma estrofe quint-ética:
"Do templo serão expulsos os vendilhões
Crentes e puros atravessarão os séculos e milênios
Interesses mesquinhos postos abaixo
Victória indefectível dos princípios.
Tudo que não for isto ter-nos-á contra si"
Silêncio total na reunião, políticos se entre-olhando, mostrando os
esgares faciais, olhares de dúvidas, o que mesmo tinha interesse em dizer, a
quem dirigia tais palavras tão empoladas. E ainda termina com uma poesia.
No fritar dos ovos, todos os presentes se despediram, indo embora para
casa com aquele discurso de Joaquim Rabelo, verdadeiras pulgas atrás das
orelhas.
(**RIO DE JANEIRO**, 04 DE MARÇO DE 2017)
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