**BOLINAGEM DE SOGRA** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Bons dias!
Tentações são tentações! Não aceitá-las, não con-senti-las, não
ad-miti-las, recusá-las é que são elas. Sendo tentações, há nelas o que
excitar, há nelas o que deixar água na boca, há nelas o que tesar, alfim, há
nelas coisas que fica mesmo difícil não experimentá-las, saber-lhes o gostinho
agradável, conhecer-lhes os prazeres e alegrias, faz-se mister senso dos mais
aprimorados, faz-se mister sangue frio, faz-se mister força de vontade para se
livrar delas. Poucos foram os que foram tentados e conseguiram resistir, não se
entregaram de corpo, alma, sangue e veias, até os ossos entraram nos jogos da
carne e da alma. Não houve quem não tenha recusado que não sentiu os seus
prazeres e felicidades, que não tiveram conseqüências as mais drásticas
possíveis e inimagináveis, no fritar dos ovos imperaram as conseqüências. As
tentações não deixaram de existir, apresentaram outros naipes; faz parte do
homem as aventuras, com elas é que vêm as experiências, o amadurecimento, o
crescimento.
Faltavam poucos dias para o enlace matrimonial do vereador Credólio
Gonçalves, o mais importante político daquela cidade do interior de Minas,
também o mais rico de todos, e ninguém tinha a menor idéia de como o seu
patrimônio financeiro crescia tanto, era fazendeiro, vendia gado de corte para
alguns frigoríficos da região e da capital, além de uma rede de três hotéis de
quatro estrelas, herança de seu pai, que era um grande hoteleiro. Muitos diziam
que ele não precisava se servir dos cofres públicos, não necessitava de
propinas, era honesto e digno, homem de valores idôneos. Haviam certas
desconfianças, mas ninguém podia prová-las.
Não se comentava outra coisa na cidade senão o casamento de Adolfo,
haveria um grande churrasco na fazenda, cinco bois seriam abatidos para
servirem a todos os convidados, que eram muitos, bebidas não faltariam, seriam
três dias de muita festança, muitos convidados iram tirar a barriga da miséria
com a festa de casamento do vereador.
A moça era de família simples, o pai aposentado do fórum, por problema
de saúde, coração, enfartara aos cinqüenta e cinco, fora promotor por muitos
anos. A mãe, simples dona de casa, mas uma das mulheres mais simpáticas, mais
bonitas, uma cinqüentona escultural, gostosa, estilo Vera Fischer, e sempre que
colocava uma calça de bolsos, enfiava a mão neles ao estilo Bete Davis, fazendo
pose, amante incondicional da arte cinematográfica, não perdia aos domingos a
sessão das sete horas da noite no cine local, seu artista preferido era Burt
Lancaster, religiosa.
Dois dias antes do enlace matrimonial, Adolfo esteve presente na casa da
noiva para acertar alguns detalhes do casamento, verificar com toda a atenção
possível a lista de convidados que não era pequena, não podia deixar ninguém de
fora, todos garantiram a sua eleição, era um modo de lhes agradecer o carinho e
dedicação, a confiança e a fé em suas plataformas políticas. A noiva não
estava, havia viajado à capital para buscar o vestido de noiva, só voltaria no
outro dia. Dona Cremilda é que estava com a função de tratar dos convites. Após
umas duas horas de só nomes, endereços, as últimas subscrições nos convites,
tudo pronto, Dona Cremilda não quis esconder as suas cositas, o genro tinha de
sabê-las, e sabê-las por ela mesma.
- Adolfo, quero que saiba que sempre o achei um homem muito atraente, um
galã mesmo, inteligente, honesto, carinhoso e amoroso com a minha filha, um
grande amigo nosso, meu e de meu marido. Bem, estou sem graça de falar.
- Pode falar, dona Cremilda! Fique à vontade! Nunca houve segredo entre
nós. As verdades todas sempre foram ditas a nu e cru. A senhora não tem como
não dizer, sabe que sou compreensivo, sabe que sempre a ouvi, sabe que sempre a
respeitei muito.
Dona Cremilda levantou-se da mesa, foi até o móvel da sala de visitas,
serviu-se de uma dose de uísque, aproximou-se da janela, virou-se em direção a
Adolfo que permanecia sentado, observando as atitudes da sogra, um pouco
surpreso, nunca a viu tão nervosa, a coisa era bem séria.
- Bom, Adolfo, antes que você se case com a minha filha, eu gostaria de
fazer amor com você!
Adolfo caiu o queixo, e quase caiu da cadeira, estava com a cabeça
apoiada na mão, o cotovelo sobre a mesa, escorregou-se. Mas dona Cremilda não
deu a mínima para a reação do genro, tinha ainda o que falar.
- Eu vou lá pro quarto! Se você quiser ir embora, já sabe onde é a
porta... Se quiser “me possuir”, é só ir lá pro quarto... Gostosão!
O que estaria acontecendo com a sogra! Muito discreta, circunspecta, de
pouca conversa. De quando em vez, amava tomar uísque, Marieta, sua noiva,
reclamava dos pileques que a mãe tomava, fora umas duas vezes internada com
coma alcoólatra, era coisa de família, hereditária, o pai morreu em praça
pública, completamente embriagado. Mas não bebera antes do encontro deles
naquela tarde de segunda-feira, estava lúcida, a primeira dose fora a que se
serviu naquele momento.
Adolfo espera a sogra ir para o quarto, pensa por alguns segundos e
decide o caminho que vai tomar. Dona Cremilda deixara o copo sobre o móvel,
dirigira-se para o seu quarto. Seria aquele convite a famosa despedida de
solteiro, não queria que o genro se divertisse com mulher alguma, tinha que ser
com ela? Mas o sogro? Havia saído para visitar uma amiga que recebera alta do
hospital, após uma cirurgia de estômago, estava com úlcera. Só voltaria por
volta das dez da noite. Ainda eram seis e meia da tarde.
Adolfo levanta-se da cadeira, ainda sob o efeito da surpresa com o
convite da sogra, meio atordoado, em verdade, estaria sonhando ou aquilo era a
realidade mesma, recebera uma cantada dela. Corre para fora da casa e encontra,
não esperava tal encontro, encostado no seu carro, o sogro, sorridente. Se
sofresse do coração, estava ali a situação propícia para um enfarto fulminante.
Quis dizer alguma coisa, mas nenhuma palavra se lhe anunciou na cabeça, estava
sim estupidificado.
- Parabéns, Adolfo! – disse o sogro – Queríamos saber se você era um
homem fiel, honesto e leal, e você passou no teste!
Estava completamente engasgado! Os lábios tremiam como que as palavras
dentro da boca sem poderem se libertar estivessem se movimentando. Quem
passasse ali na rua, teria a oportunidade de assistir ao vereador todo branco,
faltava-lhe sangue nas veias. Que situação delicada! Não conseguia falar, não
conseguir mover um passo. Diante do sogro, que o olhava, sorria, sorriso de
alegria e satisfação, era o genro que esperava para a filha, não queria saber
de adultério na família, casamento era para o resto da vida.
Dona Cremilda, assistia a tudo, escondida atrás da janela, tomando mais
um uísque. Uma cena verdadeiramente patética. Tinha de sair também. Precisava
cumprimentar o genro por sua lealdade aos princípios da família, fidelidade à
amada noiva. Se não o fizesse, aquela cena duraria por cena, o marido,
encostado no carro do genro, o genro pregado no chão, sem saber o que fazer. Só
ela mesma podia desfazer tudo aquilo. Lembrou-se de algumas cenas de filmes a
que assistira, tendo como situação adultérios. A cena de Marlon Brando e Maria
Schneider não lhe saía da mente, esqueceu-se do título do filme. Pena é que o genro
tenha resistido à tentação, iria aproveitar para viver e experimentar os
prazeres que Brando e Schneider tiveram, com efeito, havia escondido a manteiga
debaixo da cama.
A sogra, então, saiu da casa e também o cumprimentou.
- Parabéns! – estendeu-lhe a mão, sorrindo, olhando o marido de
esguelha.
(**RIO DE JANEIRO**, 03 DE MARÇO DE 2017)
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