*POEIRA DEFECTIVA E GENITIVA DE DIALÉTICAS* - PINTURA: Graça Fontis/POEMA: Manoel Ferreira Neto


Se me sinto triste,
A alegria de saber outro serei de mim,
Conhecendo as razões da tristeza.
Se me sinto angustiado,
A felicidade perpassa-me inteira,
Questionamentos, perguntas, indagações
O que a vida deseja para saciar-lhe a sede.


Verbos defectivos e genitivosmergulham no abismo de mim
Abissais descobertas de mistérios
Preenchem-me as ausências, faltas,
Satisfaço-me com não conhecê-los
Viver-lhes em mim bastam às ausências.


O poeta está de volta ao bar.
Parece estar mais circunspecto, introspectivo,
Camisa preta, chapéu preto,
Capote preto - está muito frio.
Por longos minutos olha à distância,
Ensimesmado em seus problemas, dores.
Alguma decepção sentimental?
Vivenciou os prazeres, êxtases
Do amor real,
Vê-se agora sozinho, solitário?


Se me sinto feliz,
A infelicidade revela-me os senões
De trilhar as sendas do infinito,
Sonhando a verdade pura e cristalina,
Encontrando-a sarapalhada de utopias,
Vivendo-a na plenitude, efemeriza-se
Estar no mundo são buscas, não encontros perenes
Verdades são in-verdades
No re-verso de horizontes ao longo do nada,
De in-versos à mercê das travessias.


O poeta toma de sua pena
Escreverá o quê? Qual o tema de suas reflexões?
Qual o inter-dito de sua filosofia?
Quais as entre-linhas de suas idéias, pensamentos?
A verdade que liberta o outro do eu
Ensimesmado nas situações e circunstâncias
Do medo de se entregar à realidade da vida?
Retira o chapéu preto, coloca-o sobre a mesa
Cofia o bigode, olhando a página em branco.


Quê dor insofismável o início das letras!
Quê incólume sofrimento revelar-se nada!
Madrugada íntima de prazeres
O amor pleno plenificando o sentido
Dialético do encontro, des-encontro da vida.


Ser de verbos na verbalidade de sentimentos.
No alvorecer, a emoção, dádiva do amor.


O poeta traga nervosamente a fumaça do cigarro.
O poeta nada escreverá hoje
Na sua mesa cativa de bar
Limita-se a olhar a rua na distância do infinito
Picos, montanhas, o mar aberto, longínquo.
Lembranças, recordações, memórias
O que lhe foi, versos e estrofes não disseram
Re-presentaram, foram metáforas.


O mundo do poeta nas páginas da vida
Será sempre puro, virgem, cristalino
Nas circunstâncias do quotidiano
No meio dos homens, das coisas
É que se lhe conhecerá a alma eivada de sofrimentos
Buscas, desejos,
Decepções, sonhos
Fracassos, lutas pela liberdade
Frustrações, aspirações do prazer absoluto
Querências da in-fin-itude
Verbo de ser, verbo de nada.
Verbo de tempo, verbo de eternidade
Verbo defectivo, verbo infectivo,
Verbo genitivo, verbo declinativo.


O poeta inda espera
Nas suas linhas de palavras
Biblicar a fábula de sua existência.
Nada escreveu hoje, nenhuma palavra delineou
Limitou-se a fumar, tomar os goles de cerveja,
Olhar na rua a distância do tempo.
Coloca o chapéu preto na cabeça
Fecha a agenda, guarda na bolsa a tiracolo
Coloca a caneta no bolso da camisa preta
Refestela-se na cadeira.


(**RIO DE JANEIRO**, 12 DE MARÇO DE 2017)


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