**PERFUME NO AMANHECER - IN "PARTITURAS DO ESPÍRITO" - 01 DE MARÇO DE 2017** - PINTURA: Graça Fontis/PROSA: Manoel Ferreira Neto
Tristeza não é a ausência do amor, não se sentir amado, estar-se carente;
tristeza é entregar-se ipsis verbis ao sentido profundo do Amor, descobrir não
ec-sistir qualquer profundidade nele; amar é simples: só sentir o coração
pulsando mais forte.
Ter tudo, conquistar tudo, viver tudo, eis a real-ização, eis a
felic-idade, eis a glória. A vida está mais no nada do que em todas as coisas,
nada ter, nada ter conquistado, viver de nada, sabe-se que viveu e viveu bem.
Acumular, acumular, acumular conhecimentos, ecs-plicar todas as coisas
com a língua em riste, não é viver, não é sentir a vida, a sabedoria plena são
os mistérios e enigmas, aceitá-los, admiti-los, con-senti-los, a vida é eterna.
Preocupar-se com a efemer-idade das coisas do mundo, com os sentimentos
que morrem e re-nascem, nascem, não é fazer filosofia, não é filosofar, a
filosofia da efemer-idade à luz do eterno são as flores que des-abrocham,
exalam perfumes no alvorecer e no entardecer emurchem-se, secam, caem,
tornam-se húmus de outras que virão no novo amanhecer.
Deus não é o ser supremo, o espírito perfeito, o ser omni-presente,
omni-sciente que vela as con-ting-ências humanas, Deus são todas as
im-perfeições e pecados humanos que nascem no simples con-templar o desejo da
vida.
Clarice Lispector disse-o com toda categoria e sapiência: não ser
preciso entender, viver é o mais importante. Viver é deixar as coisas irem
morrendo no quotidiano dos sonhos e esperanças, sem entender o pra quê desta
morte, a luz que esplende no universo é a etern-idade da sabedoria de viver.
O nada é o guia na jornada para o In-finito, re-colhendo e a-colhendo as
paisagens trans-cendentais. O In-finito é o nada da idéia, a idéia é o nada do
In-finito.
Poesia jamais foram versos e estrofes plenos de semântica e linguística,
po-esia é o vento que sopra a po-eira da estrada, fá-la esvaecer-se no ar da
distância; poesia não é soletrar as dimensões do espírito, da sensibilidade, é
só letrar o não-ser nos caminhos de luz que a po-esia se re-vela bela e viçosa.
A estória mais linda e maravilhosa é a contada de frente para trás, das
travessias às nonadas, do ser-tao ao tao-ser, das ilusões à perdição, das
memórias póstumas a Brás Cubas, do divino à comédia.
O negócio é o preço da égua ser cento e vinte réis... Começar do
in-verso para atingir o verso verdadeiro ou começar do verso verdadeiro para
atingir o in-verso não é negócio. O negócio é não saber verso, é não considerar
versos.
Calmante é para amenizar, aliviar as tensões da vida; amenizá-las,
aliviá-las são acumular mais e mais problemas, sentir mais e mais angústias,
são trans-bordar-se de tanta depressão, aí a vida é vida, é-se.
Ter suprassumido, superado todas as filosofias da existência é viver a
vida na sua simplic-idade. Resta ainda suprassumir e superar toda a poe-sia e
prosa para con-templar o verbo do Ser.
(**RIO DE JANEIRO**, 04 DE MARÇO DE 2017)
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