*ORISSIMI DE VERNÁCULOS DO ESPÍRITO* - PINTURA: Graça Fontis/PROSA POÉTICA: Manoel Ferreira Neto


Caminho entre o "não-ser" e o "ser",
versejando de sonhos
as veredas do inaudito,
Sendas do deserto,
estradas do abismo
contingencial do nada,
ao mesmo tempo
conhecendo bem os encantos,
sorrateira influência
que essa terra exerce.
A revelação dessa luz
tão resplandecente,
que se torna negra e branca,
tem qualquer coisa de sufocante, no início.



Caminho entre o "verbo" que se estende ao longínquo, ocultando-se, re-velando-se, ensejando os desejos de encontro do "ser", plen-ificado nas tábuas do Espírito da Verdade, inscrito no Absoluto In-finito do Divino, con-templando do que há-de vir, porvir, a-nunciações sensíveis do sentimento de esperança, e as "águas da con-tingência", de longe em longe imperceptíveis e amplos movimentos fazem alçar-se por cima da mel-ancolia, nostalgia, angústia, tristeza, medo, insegurança, a esperança de re-encontrar uma liberdade, cuja lembrança, descobrindo as rosas pequeninas, que tão depressa se despetalam, únicas sobreviventes da primavera, seja a plen-itude ou a juventude a evocarem a presença total de amor, nem um pouco de inocência, ou que esta ignora a mortal existente.
Caminho entre o "mistério" que aumenta na mesma medida em que cresce o conhecimento entre as colunas molhadas dos templos destruídos, parecendo estar caminhando atrás de alguém, cujos passos continuo a ouvir sobre as lousas e mosaicos, sentindo obscura e constantemente a carência de alguma coisa, e a "oportunidade de amar", passando o resto da vida à procura do ardor e da luz, orvalho delicioso tombando sobre o coração, evaporando-se depois, sensação de frescor perdurando, ouço dentro de mim rumor quase esquecido, como se meu coração, parado há tanto tempo, recomeçasse a bater suavemente. As ondas de felicidade crescessem em mim. Cantos de pássaros começam a explodir com uma força, júbilo, alegre discordância e encantamentos infinitos.
Calo-me. Silencio-me. Emudeço-me. No emudecer do silêncio, calo-me. No calar do emudecer, silencio-me. No silêncio do calar-me, emudeço-me.
Levo um grito sufocado encravado num sentir emudecido. Impossível “re”-tê-lo, “re”-presá-lo por mais tempo: domá-lo. Estilhaço-me. A palavra, se em represa, é um murmúrio de arribas, sussurro de confins, gemidos de alhures; se correnteza, brado, estampido.
De por trás da imagem do silêncio re-fletida no espelho do horizonte, a perspectiva do além, trans-elevado do espírito que ad-virá da carne do verbo, conjugado de metáforas da etern-idade, sinestesias de outroras gêneses do tempo...
Imagem, cujo brilho resplandecente incide na superfície das águas que perpassam os rios, a extensão do silvestre das florestas que embelezam os caminhos a serem trilhados à busca da plen-itude dos sentimentos de amar, dos sonhos de compl-etude, do "ser" na melodia de ideais, desejos, do "não-ser" nas cordas do violão que entoa as notas do eterno e do efêmero, da alma na dança musicalizada de emoções, trans-cendidos no ritmo de arribas, desde confins ao infinito de todos os uni-versos, cujos ventos suaves e serenos sussurram a gênese do perene no voo dos tempos, nas asas de idílios, quimeras, fantasias do absoluto da verdade, do divino do espírito da vida, verbalizados da travessia do amor ao eidos da essência, trans-elevado ao "vento, à serra, ao mar, subindo em crescendo a sol...", "... num lago sereno de azul e luar"...
Imagem de por trás do horizonte, no silêncio do espelho que projeta alhures lembranças de sonhos alimentados nas nuanças do tempo...
Ando para a luz, levando o fardo de desejos, esperanças de ver-me “ser” nas linhas do espírito e eterno, no inter-dito das finitudes do não-ser, esforço-me para não ruir, seco e falido. Fracas possibilidades de letras reais nos sentimentos verdadeiros, de vozes imaginárias nas emoções re-criadas, in-ventadas, esboçam-se e des-aparecem – quase verto lágrimas pujantes! quase as seco com o lenço de seda das fantasias preliminares do inaudito -, roendo entranhas, re-vezando mordaça, e a escuridão em que tateio o trajeto arrasta correntes, mas sigo na busca des-esperada de me ver sendo. Cada dia debulho uma letra de minha fala, perco-a nos sonhos, e dou um passo para a distância. Breve me perderei no horizonte.
Emudeço-me no silêncio de calar-me. Silencio-me no calar do emudecer. Calo-me no emudecer do silêncio.
Uma sílaba do que digo se des-garra, rolando pelo chão que não é de giz, mas de grafites em pó, gota de sangue de-(r)-ramado que não voltará à veia. Imagino-me numa estelar distância no branco da lua longínqua, nos raios fortes do sol. Ensaio o som uni-versal de um sorriso. Performo o cântico global de uma sílaba do ritmo da etern-idade.
Sou voz de olhares, ímpeto de pensamentos de ser, liberdade, de espírito. Sou desejos de encontro, de sonhos e utopias do eterno do espírito das linhas. Sou esperança de amor, entrega, do verbo no espírito das linhas eternas. Sou espera, movimento, gota de chuva, lufada de vento, lua boiando na noite, risco de estrela cadente. Sou a mão que delineia e burila letras, sílabas, sons, que desenha os símbolos com esmero. Sou tear na madrugada fabricando desejos plenos de espírito, de linhas eternas. Sou eterno prisioneiro das linhas brancas que desejo preencher com letras de esperanças, dores e sofrimentos, de verbos de fé, felicidade. Sou a idéia de uma águia pairando sobre um abismo. E quando sou a idéia, sou a águia. Sou pernas varando o tempo. Sol no rosto e um fardo colorido, a hora que chega e se perde, mas re-torna com nova força. Sou o barro de minha terra na sola de meus sapatos, poeira no peito deles. Sou nos recantos e auroras o composto de marcas sombrias.
Emudeço-me. Calo-me. Silencio-me. No calar do silêncio, emudeço-me. No emudecer de calar o silêncio, silencio-me. Silencio-me. Emudeço-me. Calo-me.
Ando em busca da estrela que brilha na madrugada, do sol que raia na manhã de nuvens brancas e azuis. Caminho pisando campos, trilhando veredas e planto em cada canto que passo a verde esperança da flor de cactos. Nos múltiplos úteros do chão, apanho o cristal que germina. As mãos unidas em concha colhem água em qualquer fonte e afagam o broto que nasce nesta fixa floração.
Escuto o cantar do galo, o cão ganindo no escuro, pio de pássaro nas moitas. Descubro no boi berrando, no relincho dos cavalos, no zurro dos jegues, no coaxar dos sapos, num lobo uivando na serra, um som recente, neste tempo que varia como vento mudando o rumo quando a chuva se a-nuncia. Vou aprender no campo o ofício das mãos que lavram as letras e verbos e vão perpetuando os desejos do sublime, a vontade do eterno, a esperança do imortal.
Vou à procura da estrela que brilha na madrugada. O poeta borda a palavra, verso a verso, alinhavando as estrofes de sonhos, utopias, quimeras e fantasias, os ritmos de sentimentos de esperança, amor, fé, a musicalidade dos desejos e da liberdade de ser, do ser-com-o-outro, do ser-para-o-outro, do si-mesmo. O escritor tece com o amor do tecelão os fios no tear dos sonhos e das utopias, numa inventiva criação de idéias e pensamentos. Trabalho eu, poeta/escritor, o sonho imortal que me faz transeunte sem peias da livre caligrafia. O poeta pesca a palavra da própria entranha como se o corpo fosse o açude, e o peixe, o verso. O escritor expele a palavra a todo sentimento e idéia de uni-versos de liberdade, a toda emoção e pensamentos de horizontes de encontro com a Vida e Amor. A palavra e o poeta germinam da mesma cova, e, juntos, vão no mesmo passo, às vezes em veredas diferentes, às vezes em caminhos mesmos, porque um no outro se completa, multiplica-se, esvazia-se.
Calo-me. Emudeço-me. Silencio-me. Silencio-me no emudecimento do verbo calar.
Calo-me no silenciar do verbo/carne do emudecer. Emudeço-me no verbo do silêncio.
Resplendor de uma face, sempre outra depois do amor, outra depois de um carinho, outra depois de um reconhecimento, outra depois do sono, do sonho, outra depois do amanhecer, outra no crepúsculo, traços, desejos, vontades, falácias, perspicácias num jogo diário de perspectivas, perfis. Desfile de olhos, brilhos no semblante, trejeitos, sombras e batons, cremes, exercícios de imagem para o lince da con-templação do outro, para a vertigem sem re-torno de quem vê, des-cobre a beleza, sente-a no mais íntimo de si, de quem enxerga, re-colhe o sentimento de pureza, vive-o com prazer e êxtase.
Caminho nos pensamentos, esbarrando-me remotos dias. Reagrupo-me às sombras; retrilho uma cena qualquer, viajo nos detalhes dos trajes, cores, conversas, a eternidade das mãos troteando o corpo... Desvairado, rendo-me à ficção da noite, perdida no irreversível. Enlouquecido, remedio-me das mentiras da escuridão à luz dos postes. Disperso, rendo-me à realidade da aurora nas entranhas de uni-versos a serem construídos.
Veredas... Fogo de bala, travessia, curiangos, aves pretas, flor de pau, cascalho solto, faísca de ferradura. A noite é só tocaia, um descuido é perdição, cachorro late-mordendo, cobra dá bote e esconde, burro coiceia e refuga: “Viver é muito perigoso”. Grito, perdido na morte, doce riso, amargo fim, viver é pré-liminar à cova. Passo curto, passo certo: Travessia.
O que me pergunto é: quem em mim é que está fora do eterno prisioneiro das linhas? quem em mim é que está fora até de pensar?
A ressonância da pá-lavra per-corre soberana, con-tornando muros e montanhas, escoando em ondas. Risco, arranho, demulo, penetrando alvos.
No miolo da noite, outra noite acontece, e o que era transluzente, aos poucos escurece como ondas nebulosas, sufocando, envenenando, roubando o nascer do dia, o re-nascer de outras palavras, horizontes e uni-versos. Meu passo é ponto, meu corpo, fonte. Em que estrela aportará meu sonho.
Viajo no tempo que voa nas asas da imaginação. No momento presente, sei o que foi, o que era, o que vai ser, o que será. Só não descubro o artifício que me contorce nesse ponto/uni-verso onde me encontro passageiro das quimeras, sonhos, fantasias, utopias. O próprio ser que me con-figura sangra ferido: “viro longe no mundo, piso nos espaços, faço todas as estradas”. Num passo de magia a terra vira, torna-se vida nas mãos de lira das linhas e espírito eternos.
Restaram-me equívocas pétalas das palavras, diariamente nascentes, para o nada obliterante do não-visível. O tempo se faz devagar, tateando símbolos. Roucos ruídos, sugerindo amor às linhas eternas do espírito e das páginas de sonhos e quimeras, penetram meu silêncio. E a flor de meus sonhos de ser segue transcolorindo a tela vácua do horizonte, sem saber que ingratos olhos distorcidos na distância são labaredas extintas, avesso riso, in-verso amor nas versificadas sedes de encontro e vida, metrificadas fomes de liberdade e ressurreição, ritmadas ilusões de con-templar o ser à luz do verbo, in-versa distância nos des-lustres de ausência: (in)afeição que crio e nela própria des-orvalho o re-verso lado da luz.
Calo-me. Emudeço-me. Silencio-me. Emudeço-me no verbo/calar. Calo-me o verbo/emudecer. Silencio-me no verbo/calar. Calar o verbo. Emudecer o verbo silenciar. Silenciar o verbo calar.
Calar/verbo, Silenciar/verbo, Emudecer/verbo
Na carne eterna das linhas e espírito.



(**RIO DE JANEIRO**, 10 DE MARÇO DE 2017)


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