*BAILE DO CORPO QUE PERFORMA O VIR-A-SER - IN "PARTITURAS DO ESPÍRITO - 01 DE MARÇO DE 2017)* - PINTURA: Graça Fontis/PROSA POÉTICA: Manoel Ferreira Neto


Oco,
opaco,
seco,
impermeável.



Letras, palavras, sentenças.
Lê-las, senti-las,
re-colher e a-colher
o que pro-jetam para o futuro,
o que viver,
a inestimável diferença,
o outro de verdades e in-verdades,
mas a vida plena.
Algo no limite.
Sem estrutura na razão.
Sem sentidos na mente.



Areia erguida pelo vento voraz.
Dispersa mudez do ser.
Dormia. Ressonava.
Senti frio perpassando-me,
aliciando-me,
entrando no corpo.
Entranhas, ossos, carnes, pele.
Árvores de tronco roliços
- imagino haverem sido torneados e envernizados.
Deambulam agonias. Vales imensos.



A luz engolfa-se, condensa-se na borda fronteira do relógio - o mostrador escoa-se. No escuro, disco suspenso no nada. Caos. Som imerso no primitivo. Alucinante. Ritmos que não podem ser pensados. Melodias que não podem ser cantadas, dançadas no baile do corpo que performa o vir-a-ser.
Ando a vagar. Deambulo por todos os espaços, terrenos baldios, alamedas e becos, e olho de esguelha para a distância, o longínquo com olhos de estar vivendo a liberdade, solto. Ventos percebidos no espírito. Palpitação de asas sobrevive no mistério, enigma. Dilatado. Esquecido de mim. Logo, não além da eternidade.
Milton diz: "Uma criança descobre o mundo, o homem, como a manhã descobre o dia..." Não. Não é a criança que importa. As imaginações. Anseios de outro homem. Aspirações da vida. Desejos da felicidade. Vontade de passear no lado esquerdo do Senna, tomar um café nalgum Cafe, olhar a Paris de todas as luzes e belezas.
Ponho-me a andar pelo apartamento - do escritório até a cozinha. Faz um calor insuportável e preciso tomar muito líquido.
O isolamento entre pessoas de personalidades diferentes é pior que o exílio. O inconsciente. Discorda de atitudes e palavras.



Pedem-me versar o "Fim"
Sorrindo, saltitando de alegria,
Tecendo palavras que o dignifiquem,
Real-izados foram os sonhos e ideais,
Contudo,
Cont-emplando o "fim" é "início"
De outros desejos,
Outras condutas e posturas diante da vida,
Outras utopias e fantasias frente à querência
De beleza
Verso, então, sobre a esperança
De mãos entre-laçadas, mentes em síntese,
Seguirmos o horizonte
De nossos olhares voltados para
O ESPIRÍTO DA VIDA.



Verbo do nada de ser. Coração represo, silêncio intrínseco do mundo. Mar branco com ondas nas lentas dos cerros. Barcos negros de casas, mastros de ramos de árvores...
Sou de verbo o nada de ser. Silêncio profundo, silêncio cósmico de astros rolando pelo espaço vazio, nuvens desprendem-se mechas de neve que arrasam, em planura, a última arrogância das coisas...
Ser verbo do nada sou. Débil lembrança de um momento nunca abarcado pelos sentidos, de uma verdade só memória, sem tempo. Cheiro real do mistério fluído da hora, quantas vezes evocada saudosamente...



(**RIO DE JANEIRO**, 09 DE MARÇO DE 2017)


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