**ADEUS, SENDAS DO CAMPO* - IN "PARTITURAS DO ESPÍRITO" - 01 DE MARÇO DE 2017** - PINTURA: Graça Fontis/POEMA: Manoel Ferreira Neto


Se amanhã ao alvorecer
Não acordar, é que terei ido embora,
Ter-me-ei despedido de tudo,
Terei acenado a mão para sempre.
Algum dia, inevitavelmente, isso iria acontecer,
Teria de partir, sem mala, sem mochila
Ter-me-ia de despedir de todas as coisas...


Tracei a minha jornada, andei, andei
ah, como andei,
Por vales, florestas, beiras de abismos, margens de rios,
Por ruas, alamedas, avenidas, becos,
Por vezes atravessando terrenos baldios para alcançar
Os outros um a um,
Olhando o horizonte sempre, por vezes distante,
por vezes próximo,
Desejava lá chegar,
do alto da montanha,
olhar ao redor
Sentindo em mim alegria,
prazer de haver realizado o objetivo,
Perscrutando os uni-versos esplendorosos e mágicos,
Em mim,
sentindo os êxtases de todas as coisas,
A caminhada foi des-lumbrante,
magnífica,
conheci verdades,
des-conheci in-verdades,
Ecs-perimentei emoções e sentimentos diferentes,
Vivi outros desejos e esperanças, pré-enchi alguns sítios
Vazios de minha alma, algumas lacunas de meu ser,
Vivenciei mágoas, ressentimentos, raivas, ódios
Com acusações sem quaisquer fundamentos,
Senti-me homem, senti-me ser criatura,
fiz minha lição de casa,
Mas não consegui chegar ao horizonte que almejava,
No topo con-templar o mundo inteiro ao redor,
Não alcancei o uni-verso por que ansiava com volúpias,
Valeram as buscas, sonhos, valeram as esperanças,
Não passei pela vida, não perambulei por aí, vivi a mim
Vivenciei-me como me fora possível.


Se amanhã ao alvorecer
Não acordar mais, a jornada chegou ao fim.
Não quero lágrimas, não quero palavras de saudades,
Sentimentos de culpa, remorso,
Con-siderações, re-conhecimentos por quem fui, por quem
Desejei ser, tive vontade de real-izar.
Tudo isso será de quem tem ainda muitas veredas
Por onde trilhar os seus passos,
De quem inda tem verdades a serem encontradas,
De quem inda tem sonhos e esperanças de viver de quem é,
De quem projeta para o futuro entrelaçar as mãos
Com a pessoa amada,
passear no parque, na pracinha,
embora as trajetórias difíceis e complicadas.
Não quero lembranças dos meus amores,
Da mulher a quem amei perdidamente, a quem desejei
Tudo de bom, muitas felicidades, alegrias.
Não quero recordações de minha presença
Nestes e naqueles lugares, trocando idéias com fulanos,
Não quero as memórias de mim assobiando no banheiro
Enquanto tomava o banho matutino,
No quartinho de roupas lavadas, passando o terno para vestir,
Na cozinha sentado na poltrona, tomando o café da manhã,
Não quero memórias de palavras sinceras e verdadeiras,
Palavras agressivas, discriminações, preconceitos,
Que proferi, disse, recitei ou declamei em versos de vivências.
Nada mais terei sido amanhã quando não mais acordar.
Partido estarei para sempre, nada mais de mim, nada mais.


Há quem dispense tudo isso que estou dispensando,
Mas deseja os raios de sol, cintilância das estrelas,
Brilho da lua incidindo na pedra tumular,
No crepúsculo a sombra pálida,
Pede de quando em vez não se esquecerem de
Um buquê de rosas, orações,
Não esquecerem de que algum dia esteve no mundo.
Não quero nada disso - serei partido por todo o sempre.


Na morte estou dispensando tudo,
Na vida joguei tudo fora, nada valorizei,
Poderia ter morrido sentindo-me lisonjeado e orgulhoso
Da felicidade, alegria, contentamento que construí com tudo isso.
"Não queria, não quis tanto autodestruir-se
Então chegou esse momento para você.
No céu ou no inferno
Cuide de valorizar o espaço que vai habitar".


(**RIO DE JANEIRO**, 07 DE MARÇO DE 2017)


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